STF valida cobrança do DIFAL-ICMS em 2022

No dia 29/11/2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por seis votos a cinco, que o recolhimento do Diferencial de Alíquota (Difal) do ICMS sobre operações destinadas ao consumidor final deve valer sobre as transações ocorridas 90 dias após a data da publicação da Lei Complementar (LC) 190/2022.

Em fevereiro de 2021, o STF decidiu que o Difal deveria ser disciplinado por meio de lei complementar. Em dezembro de 2021, foi aprovada a LC 190, mas a sanção presidencial ocorreu apenas em 4 de janeiro de 2022, o que deu origem à discussão sobre o início de sua vigência. Os contribuintes defendiam que a cobrança só poderia ser exigida a partir de 2023, enquanto os estados alegavam que não houve “surpresa”, a justificar a aplicação do princípio da anterioridade, embora a Constituição Federal não preveja essa relativização.

Prevaleceu no julgamento o voto do ministro Alexandre de Moraes (relator), para quem deve ser observado, no caso específico, apenas o princípio da anterioridade nonagesimal (noventena), expressamente mencionado na parte final do artigo 3º da LC 190/2022.

De acordo com o ministro, não se aplica ao caso o princípio da anterioridade anual, na medida em que a LC 190/2022 não criou tributo, mas apenas estabeleceu regra de repartição de arrecadação tributária. A seu ver, houve o fracionamento do tributo entre o estado de origem e o estado de destino, sem repercussão econômica para o contribuinte. Acompanharam os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Nunes Marques, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso.

Restaram vencidos os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski (aposentado), André Mendonça, e as ministras Rosa Weber (aposentada) e Cármen Lúcia. Segundo Fachin, apesar de não ter sido criado pela LC 190/2022, não pode o tributo nela previsto e por ela regulamentado ser suscetível de cobrança no mesmo exercício financeiro, sob pena de ofensa ao princípio da anterioridade anual. Para os ministros vencidos, estabelecer apenas a observância da noventena significa interpretar a Constituição Federal de maneira fragmentada, entendimento ao qual nos filiamos.

Nosso escritório está à total disposição para maiores esclarecimentos sobre o tema.

A (falta de) Regulação dos Criptoativos no Brasil

É notória a ascensão dos criptoativos no cenário mundial.

No Brasil, a situação não é diferente e os assuntos relativos a eles são diversos, complexos e, muitas vezes, ainda nebulosos e incertos.

Os criptoativos são ativos virtuais, protegidos por criptografia, presentes, exclusivamente, em registros digitais, cujas operações são realizadas e armazenadas em rede de computadores. Eles surgiram originalmente para permitir a realização de pagamentos ou transferências eletrônicas, sem a necessidade da intermediação de instituições financeiras, trazendo mais agilidade para o processo.

Dentre os diferentes assuntos relativos aos criptoativos, um dos que mais tem gerado repercussão se refere às consequências jurídico-tributárias que o crescimento significativo e acelerado desse mercado pode conferir.

Sobre esse aspecto, não há dúvidas quanto à necessidade de uma efetiva regulação do tema, para que seja garantida a segurança dos investidores, bem como para que exista clareza acerca das obrigações, das responsabilidades e dos procedimentos que devem ser adotados pelos investidores quando operam com a referida tecnologia.

Nesse sentido, observa-se que, no ordenamento jurídico pátrio, não há lei em sentido estrito que trate sobre o tema, apenas orientações infralegais.

Por ser uma tecnologia relativamente nova, essa situação de lacuna legislativa e insegurança jurídica também pode ser observada em diversos outros países do mundo.

Importante notar que, dentre os países que já estão regulando os criptoativos, existem muitos tratamentos e conceituações diferentes associadas à tecnologia, fato que é completamente contrário às recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), reforçando, ainda mais, a atual situação de incerteza em relação a ela.

Dando enfoque ao cenário brasileiro e ao tratamento das instituições nacionais sobre a matéria, é de se destacar a posição adotada nos pronunciamentos realizados pelo Banco Central (BACEN), o qual entende que os criptoativos não estão sob sua regulação, uma vez que não os reconhece como moedas fiduciárias e, portanto, não os considera inseridos no escopo da legislação relativa aos meios de pagamentos.

A Comissão de Valores Mobiliários, por sua vez, havia se manifestado apontando a impossibilidade da aquisição direta de criptoativos por fundos de investimento e, posteriormente, manifestou-se no sentido de que é possível o investimento indireto, por meio, por exemplo, da aquisição de cotas de fundos e derivativos, entre outros ativos negociados em terceiras jurisdições, desde que admitidos e regulamentados naqueles mercados.

Já a Receita Federal do Brasil (RFB), em linha com as autarquias supracitadas, mas ainda de maneira bem tímida, trata do assunto em sua Instrução Normativa IN RFB 1.888/19[1] e também nos seus manuais de “Perguntas e Respostas” sobre a Declaração de Imposto de Renda das Pessoas Físicas[2].

A Instrução Normativa (IN) RFB 1.888/19, que limita-se a orientar o contribuinte na prestação de informações das operações realizadas com criptoativos ao Fisco Federal, traz as seguintes definições de criptoativos e de exchange de criptoativos:

  • Criptoativos:

“A representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal”.

  • Exchange de criptoativos:

“A pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos”.

Com base nos conceitos adotados pela RFB, bem como nas orientações trazidas pela referida IN, é possível entender quais são, atualmente, os dois principais deveres previstos aos investidores em criptoativos:

  • Na realização de operações por meio de exchange nacional, a responsabilidade da transmissão e da declaração da operação realizada com criptoativos ao Fisco Federal, é da própria exchange, retirando tal responsabilidade do investidor.
  • Na realização de operações por meio de exchange estrangeira, ou sem intermediários (peer-to-peer), a necessidade de cumprir com os deveres instrumentais é do próprio investidor. Neste caso, as informações devem ser prestadas sempre que o valor mensal das operações, isoladas ou conjuntamente, ultrapassar R$ 30.000,00.

Quanto à tributação das referidas operações de criptoativos, os manuais “Perguntas e Respostas” sobre a Declaração de Imposto de Renda das Pessoas Físicas são as únicas orientações da RFB sobre o tema. Dos referidos manuais, que passaram a tratar dos criptoativos em 2021, se extrai, em linha com o BACEN e com a CVM, que os criptoativos não são considerados como ativos mobiliários, nem como moeda de curso legal. Entretanto, podem ser equiparados a ativos financeiros e, assim, sua alienação está sujeita à incidência de Imposto de Renda a título de ganho de capital.

Nos manuais, é esclarecido que são tributadas as alienações cujo total mensal seja superior a R$ 35.000,00, segundo alíquotas progressivas estabelecidas em função do lucro. Estão isentas, portanto, as alienações de até R$ 35.000,00 mensais, devendo ser observado o conjunto de criptoativos ou moedas virtuais alienados no Brasil ou no exterior.

Inovando na matéria, o manual de Declaração do Imposto de Renda das Pessoas Físicas de 2022 tornou obrigatória a declaração para cada um dos tipos de criptoativos em que o investidor tenha ao menos R$ 5.000,00 aplicados. Abaixo desse valor, a declaração do bem é opcional.

Como se vê, até o momento, as operações com criptoativos são reguladas de maneira rasa e desconexa da realidade, tanto em relação à própria tecnologia, quanto em relação ao uso que as pessoas vêm se fazendo dela.

Isso porque, sob a ótica da tecnologia, observamos que diferentes tipos de criptoativos estão sendo tratados dentro de rótulos estabelecidos superficialmente, não sendo realizada a devida qualificação e diferenciação das funcionalidades desempenhadas por cada um.

Será que faz sentido os criptoativos presentes em jogos virtuais recreativos terem o mesmo tratamento de moedas digitais, como a Bitcoin, para fins de tributação?

O ouro, por exemplo, é regulado e tributado pela sua função. Assim, as joias de ouro sofrem incidência de ICMS, enquanto o ouro utilizado como ativo financeiro sofre a incidência do IOF. 

Por outro lado, em relação à utilização dos criptoativos, a maior parte das operações são realizadas por pessoas jurídicas, sendo que, até o momento, só existe regulação e tributação para as operações realizadas por pessoas físicas.

Outro fato a se pontuar é o de que o cenário nacional atual conta com o dobro de pessoas investindo em criptoativos do que na bolsa de valores, sendo que os criptoativos não possuem quase nenhuma regulação, enquanto a bolsa de valores é extremamente regulada.

Tendo em vista todos os aspectos levantados, o universo dos criptoativos no Brasil, mesmo estando em plena ascensão, ainda conta com regulações extremamente rasas e imprecisas.

Embora existam alguns projetos de lei que versam sobre a matéria nas casas legislativas, para que eles possam suprir as necessidades que o tema demanda, espera-se que os legisladores compreendam plenamente a tecnologia, saibam a conceituar, entendam suas funcionalidades e elaborem regulações assertivas e equilibradas. 

Isso porque, caso a legislação não seja assertiva quanto ao entendimento e definição da tecnologia, as discussões judiciais sobre a matéria podem se tornar extremamente problemáticas, principalmente em relação à materialidade dos criptoativos, como foi possível observar nas discussões acerca dos softwares.

Por outro lado, a legislação precisa ser equilibrada, vez que é necessária a proteção e segurança do mercado em relação aos potenciais e já existentes crimes financeiros, mas sem se demonstrar excessivamente restritiva e proibitiva, pois dificultará o pleno desenvolvimento do mercado no Brasil, afastando o interesse de empresas, recursos e pessoas.

Raphael A. Golz de Moura


[1] Instrução Normativa IN RFB 1.888/19;

[2] Manuais de “Perguntas e Respostas” sobre a Declaração de Impostos de Renda das Pessoas Físicas

Reflexos do Julgamento da ADC 49 pelo Supremo Tribunal Federal

O assunto não é novo, tampouco a tese firmada, isto é: “o mero deslocamento entre estabelecimentos do mesmo titular, na mesma unidade federada ou em unidades diferentes, não é fato gerador de ICMS”.

No entanto, o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49, na qual o estado do Rio Grande do Norte (RN) buscava a validação da exigência, prevista na Lei Complementar (LC) 87/1996 (Lei Kandir)1, tem levantado uma série de questionamentos pelos contribuintes.

Isso porque, embora a jurisprudência sobre a matéria seja pacífica em favor da não incidência do imposto estadual nas transferências entre estabelecimentos do mesmo contribuinte (as primeiras decisões nesse sentido remontam aos anos 70!), a maior parte dos contribuintes segue a previsão da legislação (LC 87 e leis estaduais), efetivando o regular débito do ICMS na saída de cada estabelecimento, com o respectivo crédito no estabelecimento de destino, ambos de sua titularidade.

Além disso, muitos se beneficiam de incentivos fiscais, como pagamento a menor de ICMS, via redução de base de cálculo, e/ou créditos presumidos, nas transferências entre seus estabelecimentos, sobretudo nas remessas a Centros de Distribuição (CD) e filiais localizados em outros estados da Federação.

Outro ponto que merece destacada atenção é que a Corte também declarou inconstitucional trecho do art. 11, §3º, inciso II, da LC 87/96, que previa como “autônomo cada estabelecimento do mesmo titular”, o que pode impactar nas obrigações acessórias de cada filial, como as informações declaradas no Sped (Sistema Público de Escrituração Digital) e na EFD (Escrituração Fiscal Digital).

De fato, em se tratando o ICMS de imposto não-cumulativo, para os contribuintes que adotam o creditamento nas transferências intercompany, notadamente nas remessas interestaduais, há o receio de os créditos serem anulados no destino, já que a Constituição Federal veda o aproveitamento de créditos anteriores à operação sobre a qual não incide o tributo (art. 155, § 2º,
II, “a” e “b”2).

Sobre esse aspecto, há quem defenda – e a essa corrente nos filiamos – que não se trataria de isenção ou, tampouco, de “não-incidência” do imposto, o que exigiria o seu estorno, mas mera movimentação física (em que não há a ocorrência do fato gerador do ICMS).

Com efeito, esse entendimento encontra amparo nos próprios conceitos de operação (negócio jurídico), que é o núcleo do ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação), e de circulação (mudança da titularidade), que corroboram se tratar de simples deslocamento, a invalidar a necessidade de estorno do crédito no destino.

Assim, se a empresa é uma unidade, independentemente de quantas filiais e estabelecimentos tiver – o que foi reforçado pelo STF no julgamento da ADC 49 – por quais razões haveria de se estornar o crédito? Seria como “passar de uma mão para a outra”, pois não há operação, isto é, mudança de titularidade, com previsão de não-incidência, a ensejar a anulação do crédito relativo às operações anteriores.

Nesse sentido, inclusive, o STF, no julgamento do RE 1.141.756 (Tema nº 1.052 da repercussão geral, 28/09/20), decidiu que a saída de bens em comodato não acarreta o estorno do crédito, uma vez que “ausente operação de saída, descabe cogitar de situação reveladora de exoneração tributária – isenção ou não incidência –, a fim de impedir-se o aproveitamento dos créditos, conforme as balizas versadas no preceito”, exatamente o que ocorre na remessa entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica, visto que não há saída jurídica.

No caso de transferências de bens de uso/consumo e ativo fixo, o cenário é simples: a remessa, ainda que entre diferentes estados, não é tributada e ponto.

A dificuldade começa a aparecer no caso de mercadorias que são transferidas de um estado a outro para então serem vendidas, já que poderia se presumir que o crédito ficaria no estado de origem e o débito no estado de destino. Há uma incongruência de natureza operacional nesse aspecto, pois não há previsão para a transferência de créditos entre os estados.

Ou ainda, partindo-se do pressuposto que a empresa é uma entidade única e indivisível, a consolidação dos créditos deverá se dar sempre na matriz da empresa? E daí todas as operações, ainda que realizadas integralmente pelas filiais, serão interestaduais?

Isso seria um verdadeiro gatilho para a guerra fiscal, já que os estados em que as filiais estão situadas ficariam sempre com a diferença da alíquota.

Considerando, entretanto, que outros dispositivos da LC 87, que também tratam da autonomia dos estabelecimentos, não foram alterados, bem como que o pedido da Ação não ultrapassa essa seara – e, em decorrência, tampouco a decisão proferida – nos parece seguro afirmar que a autonomia dos estabelecimentos restou mantida quanto às verdadeiras operações.

Já no que se refere a eventuais benefícios fiscais concedidos, como redução na base de cálculo, vale a lógica adotada nas promoções: se o contribuinte não paga nada, o desconto é maior.

Além disso, pensando nos casos em que há reais vantagens financeiras, nenhum benefício foi revogado. Portanto, se há previsão nas legislações estaduais (o que poderia ter sido afastado por arrastamento pelo STF) e convênio firmado entre os estados, é possível a manutenção da sistemática, pelo menos até que sobrevenha ato específico de revogação.

Nada obstante, diante de todos esses impasses e questionamentos, é esperado que o Supremo module, em alguns aspectos, a decisão, o que foi pleiteado pelo estado do RN, por meio de embargos de declaração.

Em seu recurso, o estado do RN aduziu que os reflexos da decisão são impactantes não apenas para os estados, que sofrerão perdas com a distribuição federativa da arrecadação do ICMS, mas também para os contribuintes, que deverão sofrer o estorno dos créditos nas suas filiais.

Embora se discorde desse último aspecto, como já adiantado, é certo que alguns pontos merecem esclarecimento, como é o caso do alcance da decisão quanto à autonomia dos estabelecimentos. Isso porque, caso não se limite os efeitos da decisão, o que pode ser feito por meio de “declaração parcial de inconstitucionalidade, sem redução de texto”, poderá emergir novas discussões acerca da competência dos entes federativos.

Além disso, o estado do RN pleiteou a suspensão dos efeitos da decisão até o julgamento dos embargos e modulação dos efeitos a partir de 2022.

A previsão de modulação, a nosso ver, é bem-vinda, sobretudo em relação às transferências do passado, já que, embora a jurisprudência fosse pacífica, é certo que a segurança jurídica não pode estar adstrita apenas ao Judiciário, mas à realidade das relações entre sociedade e Estado, como já entendeu a própria Corte:

“O postulado da segurança jurídica, enquanto expressão do Estado Democrático de Direito, mostra-se impregnado de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público (RTJ 191/922), em ordem a viabilizar a incidência desse mesmo princípio sobre comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do Estado, para que se preservem, desse modo, sem prejuízo ou surpresa para o administrado, situações já consolidadas no passado. A essencialidade do postulado da segurança jurídica e a necessidade de se respeitarem situações consolidadas no tempo, especialmente quando amparadas pela boa-fé do cidadão, representam fatores a que o Poder Judiciário não pode ficar alheio.”
E a realidade nos mostra que os contribuintes estão confusos e os tributaristas divididos em relação aos efeitos do julgamento.

Há que se ressaltar, entretanto, que, embora a modulação venha ocorrendo com frequência no âmbito da Suprema Corte, a exemplo do julgamento da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, o Ministro Relator Luiz Edson Fachin votou contra a modulação naquele caso.

Segundo destacou em seu voto, a modulação deve “ocorrer em situações excepcionais, ou seja, quando há alteração jurisprudencial à luz do interesse social e da segurança jurídica”. E, em que pese a existência de evidente interesse social, bem como necessidade de se preservar a segurança jurídica, é fato que a jurisprudência sobre o assunto não sofreu qualquer alteração nos últimos 50 anos.

Se, como dizia Tom Jobim, “o Brasil não é um país para principiantes”, o seu sistema tributário não facilita nem para os mais experientes.

 

Por Claudia Frias 

1 Artigos 11, § 3º, II, 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular” e 13, § 4º, no trecho “autônomo cada estabelecimento do mesmo titular”.

2 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(…)
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(…)
II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:
a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;
b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores”.

Vitória fora de campo: STF põe fim na disputa entre atletas e Receita Federal

Há anos, atletas e treinadores enfrentam uma questão que vai muito além de seu desempenho dentro das quatro linhas: a possibilidade – ou não – de prestarem serviços personalíssimos por meio de pessoas jurídicas.

Só de 2013 para cá, mais de 300 esportistas brasileiros foram autuados pela Receita Federal, incluindo os jogadores de futebol Neymar Jr. e Alexandre Pato, os técnicos Felipão e Cuca, além do ex-tenista Guga.

Isso porque, a Lei Pelé (Lei 9.615/98) determina, em seu artigo 87-A, que “o direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo”.

E, respaldados na referida Lei , é muito comum que atletas e técnicos recebam os salários da seguinte forma: 60% do valor total do salário é pago à pessoa física, enquanto os outros 40% são caracterizados como direito de imagem, registrados em nome de uma empresa.

No entanto, de acordo com o Fisco, o direito de imagem dos atletas só poderia ser explorado pelo próprio indivíduo (pessoa física), jamais por intermédio de empresas (pessoas jurídicas), por ser deles indissociável.

A Receita sempre entendeu pela existência de vantagem econômica ilegal, uma vez que o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) permite deduções (lucro real) ou bases reduzidas para a incidência (lucro presumido), fazendo com que a alíquota efetiva do Imposto de Renda fique bem abaixo da alíquota de 27,5% do Imposto de Renda Pessoa Física, que seria facilmente alcançada nessas carreiras.

A discussão poderia ter se encerrado em 2005, quando a Lei 11.196, conhecida como “Lei do Bem”, entrou em vigor e dispôs, em seu artigo 129:

“Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.”

O dispositivo reconheceu, basicamente, que o direito de imagem, como outros bens personalíssimos, pode ser explorado por seus detentores por meio de empresas, sem que isso – apenas – caracterize qualquer ilegalidade ou vantagem indevida por parte dos atletas.

Ainda insatisfeita, a Receita Federal continuou autuando os atletas, sob o fundamento de que o recebimento de contrapartidas pelo uso da imagem diretamente na pessoa jurídica representaria uma operação sem substância ou propósito negocial, uma espécie de mecanismo artificial, utilizado como forma de reduzir a carga tributária.

Por essa razão, diante da postura do Fisco, a Confederação Nacional da Comunicação Social ajuizou a Ação Direta de Constitucionalidade nº 66, a fim de que o Supremo Tribunal Federal definisse se o artigo 129 da Lei do Bem é ou não constitucional.

E é. No final do ano passado, para alívio dos atletas e demais exploradores de direitos personalíssimos, com o placar de 8 votos a 2, a maioria dos ministros da Suprema Corte definiu por sua constitucionalidade, considerando que a opção pela contratação de pessoa jurídica para prestação de serviços intelectuais (como o direito de imagem de atletas) é legítima.

Assim, não apenas atletas e técnicos, mas também artistas, médicos, publicitários e outros profissionais liberais que abrem empresas para receber o pagamento pelos seus serviços de natureza intelectual ou personalíssima, tiveram uma ótima notícia – o que não quer dizer que todo aquele que fizer uso de empresa para explorar direito personalíssimo terá sua atividade automaticamente validada.

Isso porque, a Receita Federal deve avaliar a legalidade e a regularidade dos procedimentos adotados, em conformidade com a legislação , a fim de se evitar abuso de personalidade, constatado por meio do desvio de finalidade da atividade empresarial e/ou da confusão patrimonial entre os bens do profissional e da empresa, o que poderá ensejar a desconsideração da pessoa jurídica.

O que não cabe à Fiscalização, todavia, é a infundada presunção de que toda empresa de atleta que faz uso da sua imagem é uma estrutura irregular.

Até porque, a utilização de pessoas jurídicas por atletas com o fim de explorar direitos de imagem tem amparo, não somente na Lei Pelé e na Lei do Bem, mas também nos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, que asseguram aos agentes econômicos a liberdade de formular estratégias negociais indutoras de maior eficiência econômica e competitividade.

Resta evidente, dessa forma, que dispondo o ordenamento jurídico de caminhos diferentes para que uma atividade seja exercida, o contribuinte não está obrigado a seguir a via mais onerosa.

Por Nicolas R. Fokin

Guerra Fiscal Municipal: A inconstitucionalidade dos cadastros de ISS para empresas de fora do município

O STF, no julgamento do RE 1.167.509 (Tema 1.020 de repercussão geral), entendeu pela inconstitucionalidade da exigência dos contribuintes do ISS manterem cadastro em outros municípios que não o da própria sede, fixando, no dia 01/03/2021, a seguinte tese de repercussão geral: “É incompatível com a Constituição Federal disposição normativa a prever a obrigatoriedade de cadastro, em órgão da Administração municipal, de prestador de serviços não estabelecido no território do Município e imposição ao tomador da retenção do Imposto Sobre Serviços – ISS quando descumprida a obrigação acessória”.

O assunto vem sendo questionado desde 2005, ano em que a Secretaria de Finanças do Estado de São Paulo criou o CPOM (Cadastro de Empresas Fora do Município), objetivando identificar pessoas jurídicas inscritas em outros municípios e contratadas por tomadores de serviços paulistanos, na tentativa de evitar a criação de sedes “fantasmas”, com finalidades meramente fiscais.

Um exemplo clássico do que São Paulo tentou afastar com a criação desse cadastro foi o êxodo de empresas prestadoras de serviço para municípios vizinhos com alíquota menor, como é o caso de Barueri, cuja alíquota, regra geral, é de 2% a 3%, enquanto na Capital é de 5%.

Diversas empresas, no entanto, possuíam apenas uma sede fictícia no município, enquanto suas atividades eram, na maior parte, realizadas em São Paulo.

Algumas exigências para este cadastro eram contas telefônicas, folha de empregados, fotos da sede, dentre outras, o que às vezes era difícil comprovar, notadamente se a empresa estava no início de suas atividades.

Neste contexto de guerra fiscal municipal, outros municípios passaram a adotar obrigações acessórias semelhantes a São Paulo, obrigando contribuintes a manter diversos cadastros de ISS como forma de “fiscalização” das alíquotas adotadas.
Inconformados, diversos contribuintes insurgiram-se contra a questão, apontando, dentre outros argumentos: (i) que a retenção de ISS pelo tomador de serviço incorreria em bitributação, já que o município sede também faria as retenções; e (ii) que haveria incompetência municipal para eleger, como responsáveis tributários, tomadores de serviço cujos prestadores estejam fora do respectivo território, vez que somente a lei complementar revela-se apta a dispor sobre normas gerais de direito tributário.

Referida discussão chegou ao Supremo apenas no final de 2018, por meio do citado Recurso Extraordinário, sob a relatoria do Min. Marco Aurélio e, restou decidida com um placar de 8×3 pró-contribuintes.

Em seu voto, o Min. Relator acolheu os argumentos levantados pelos contribuintes, destacando que:

“Se não há competência para instituição do tributo, como é possível o fisco municipal criar obrigação acessória? O sistema não fecha!
A disciplina versada na norma é estranha ao interesse local, configurando ofensa ao disposto no artigo 30, inciso I, da Lei Maior.”

A fixação desta tese de repercussão geral veio para garantir aos contribuintes a segurança jurídica em suas operações, além de desburocratizar suas prestações de serviço.

Permanecemos à disposição para maiores esclarecimentos sobre o assunto.

Por Sabrina Leri de Souza