No ano de 2022, o Brasil registrou o menor número na publicação de artigos científicos desde 1996, equiparando-se à Ucrânia – que está em guerra – dentre os 51 países analisados pela Agência Bori e a Editora Elsevier[1].
Há anos que se discute o sucateamento da pesquisa brasileira, sobretudo por meio de frequentes cortes de verbas a fundos de pesquisa, como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), e ao próprio Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Dados da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) mostram que a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) perderam aproximadamente 51% da verba para financiar pesquisas nos últimos dez anos[2].
Com o fim da pandemia – que deixou mostras claras do que a falta de investimento em pesquisa pode acarretar – e sinais de recuperação econômica, o desafio agora é fomentar a pesquisa e a inovação nas Universidades e organizações em geral.
No caso das empresas, uma opção bastante incentivada é o investimento em projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação tecnológica (PD&I), que podem resultar em benefícios fiscais, como os previstos pela chamada “Lei do Bem” (Lei nº 11.196/2005).
A Lei do Bem, regulamentada pelo Decreto nº 5.798/2006, é considerada um dos principais instrumentos de estímulo às atividades de PD&I nas empresas brasileiras.
Isso porque, empresas optantes do regime de tributação do Lucro Real, que estejam em situação fiscal regular e computem lucro fiscal no ano base, podem se beneficiar diversos incentivos voltados aos investimentos com PD&I, como:
- Dedução da soma dos dispêndios de custeio nas atividades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – PD&I no cálculo do IRPJ e CSLL, nos seguintes percentuais:
- Até 60%, via exclusão;
- Mais 10%, na contratação de pesquisadores para PD&I (Incremento inferior a 5%);
- Mais 20%, na contratação de pesquisadores para PD&I (Incremento superior a 5%); e
- Mais até 20%, nos casos de patente concedida ou registro de cultivar.
- Redução de 50% do IPI na aquisição de bens destinados à PD&I;
- Depreciação Acelerada Integral de bens novos destinados à PD&I;
- Amortização Acelerada de bens intangíveis destinados à PD&I; e
- Redução a zero da alíquota do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) nas remessas de recursos financeiros para o exterior destinadas ao registro e manutenção de marcas, patentes e cultivares.
A ideia motriz da Lei é estimular investimentos privados em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, seja na concepção de novos produtos, seja no processo de fabricação, ou mesmo na agregação de novas funcionalidades ou características ao produto/processo que objetive ganho de qualidade ou de produtividade, resultando em maior competitividade no mercado.
Esses benefícios visam estimular a fase de maior incerteza quanto à obtenção de resultados econômicos e financeiros pelas empresas no processo de criação e testes de novos produtos, processos ou aperfeiçoamento dos mesmos, o momento do chamado risco tecnológico.
De acordo com o MCTI, as atividades de P&D não precisam se relacionar necessariamente à atividade fim da empresa, bastando que sejam classificadas como:
- Pesquisa básica dirigida: os trabalhos executados com o objetivo de adquirir conhecimentos quanto à compreensão de novos fenômenos, com vistas ao desenvolvimento de produtos, processos ou sistemas inovadores;
- Pesquisa aplicada: são os trabalhos executados com o objetivo de adquirir novos conhecimentos, com vistas ao desenvolvimento ou aprimoramento de produtos, processos e sistemas;
- Desenvolvimento experimental: são os trabalhos sistemáticos delineados a partir de conhecimentos pré-existentes, visando a comprovação ou demonstração da viabilidade técnica ou funcional de novos produtos, processos, sistemas e serviços ou, ainda, um evidente aperfeiçoamento dos já produzidos ou estabelecidos.
Esse conceito de inovação tecnológica adota como referência o Manual de Frascati[3], no qual se prestigia a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico em detrimento do resultado final, isto é, se a inovação pretendida teve o fim esperado ou não.
Embora, a princípio, pareça algo complexo, a verdade é que muitas empresas já desenvolvem algum tipo de pesquisa ou projeto tecnológico sem se darem conta que podem se beneficiar da Lei do Bem. Algumas respostas a simples perguntas podem esclarecer se o projeto em desenvolvimento é aplicável:
- Trata-se de pretendida Inovação em Produto ou Processo?
- Qual o elemento tecnologicamente novo ou inovador do projeto?
- Trata-se de aperfeiçoamento significativo de produto/processo pré-existente?
- Existe aplicação de conhecimento ou técnica de uma nova fórmula?
- Quais os avanços científicos e tecnológicos embutidos no Projeto?
- Quais os métodos aplicados na pesquisa?
- Existe similaridade com outro projeto em âmbito nacional?
- A novidade (em caso de sucesso) é para a empresa ou para todo o mercado?
- O sucesso do projeto deve interessar outras organizações?
Para dar um exemplo prático de projetos assessorados pelo nosso escritório, que tiveram sucesso com a Lei do Bem, podemos citar uma empresa que desenvolveu um novo método de calcinação[4] da argila em forno industrial, um processo até então não aplicado no Brasil, que pretendia reduzir o tempo do processo de calcinação com maior eficiência térmica, resultando em uma redução de consumo energético no processo de até 40%.
O projeto foi desenvolvido com o apoio de pesquisadores de uma Universidade e inovou um importante processo que era usual para a empresa, resultando em excelentes ganhos.
No entanto, como destacado, o resultado em si é um proveito da empresa, mas o que é realmente incentivado por meio dos benefícios fiscais da Lei do Bem é a própria pesquisa, independentemente dos resultados obtidos.
É o que se costuma chamar de “ganha-ganha”, com um adicional: ganha a empresa que investe em pesquisa e inovação, que geralmente tem resultados satisfatórios e ainda conta com benefícios fiscais; ganha o MCTI, que fomenta o desenvolvimento do país; e ganha a sociedade, com o incremento tecnológico, que gera empregos e não deixa a Universidade acabar.
[1] https://abori.com.br/ciencia/producao-de-ciencia-no-br-caiu-pela-1a-vez-em-2022-queda-em-numero-de-artigos-foi-observada-em-23-paises/
[2] https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2022/01/cortes-diminuem-bolsas-de-pesquisa-e-prejudicam-publicacoes-cientificas.shtml
[3]https://antigo.mctic.gov.br/mctic/export/sites/institucional/indicadores/detalhe/Manuais/OCDE-Manual-Frascati-em-portugues-Brasil.pdf
[4] Calcinação é o tratamento térmico a que é submetido, notadamente carbonatos e hidratos, para remoção de CO2, água e outros gases “ligados fortemente, quimicamente” a essas substâncias. (ROSENQUIST, 1983)