Mais um Capítulo da Exclusão do ICMS na base do PIS/COFINS: Base de Cálculo do Crédito na Não Cumulatividade

A Receita Federal do Brasil (RFB) e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) tem demonstrado que irão até as últimas consequências para reduzir os efeitos da decisão do STF que reconheceu o direito dos contribuintes à exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições ao PIS/COFINS (RE nº 574.706).

Após o STF pôr fim à tentativa de diminuir o montante do crédito a ser excluído (ICMS pago x destacado em nota fiscal), agora a tentativa é de reduzir o crédito da entrada de bens e insumos, modificando a não cumulatividade das contribuições em debate.

Através da Instrução Normativa 1911/2021, bem como do Parecer nº 10 da Coordenação-Geral de Tributação (COSIT), a pretensão do Fisco é de modificar as previsões legais no que tange à forma de apuração e reconhecimento dos créditos de PIS e da COFINS no regime não cumulativo.

Pelo entendimento manifestado, os contribuintes devem readequar a base de cálculo do crédito nas operações de entrada, de modo a excluir o ICMS do preço de aquisição dos bens e insumos passíveis de creditamento, a fim de neutralizar os efeitos do ICMS no sistema não cumulativo.

Tal entendimento, contudo, não encontra amparo legal, na medida em que o posicionamento do STF não alterou a legislação que trata da não cumulatividade das contribuições em discussão (Leis nos 10.637/2002 e 10.833/2003).

E a sistemática não cumulativa destas contribuições, conforme maciça jurisprudência, é um conceito legal. Assim, estando definido na legislação de regência que os créditos são calculados sobre o “valor de aquisição” dos bens, não há amparo para sustentar a exclusão do ICMS deste.

Apesar do Fisco tentar emplacar sua tese com base no princípio da razoabilidade, em favor dos contribuintes está o fato de que a IN RFB 1911/2021 viola os Princípios da Legalidade (art. 150, I da CF/1988), da Não Cumulatividade (art. 195, § 12 da CF/1988), bem como disposições objetivas das Leis nos 10.637/2002 e 10.833/2003.

Afortunadamente, o TRF-3ª Região (São Paulo) já vem se posicionando em favor dos contribuintes.

Diante disso, e considerando que alguns contribuintes já estão sendo autuados pela RFB ou mesmo sendo intimados para demonstrar nos processos de compensação a forma de composição dos seus créditos de PIS/COFINS, é recomendável ingressar com mandado de segurança imediatamente, evitando a criação de passivo para a empresa em decorrência desse tema.

Reflexos do Julgamento da ADC 49 pelo Supremo Tribunal Federal

O assunto não é novo, tampouco a tese firmada, isto é: “o mero deslocamento entre estabelecimentos do mesmo titular, na mesma unidade federada ou em unidades diferentes, não é fato gerador de ICMS”.

No entanto, o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49, na qual o estado do Rio Grande do Norte (RN) buscava a validação da exigência, prevista na Lei Complementar (LC) 87/1996 (Lei Kandir)1, tem levantado uma série de questionamentos pelos contribuintes.

Isso porque, embora a jurisprudência sobre a matéria seja pacífica em favor da não incidência do imposto estadual nas transferências entre estabelecimentos do mesmo contribuinte (as primeiras decisões nesse sentido remontam aos anos 70!), a maior parte dos contribuintes segue a previsão da legislação (LC 87 e leis estaduais), efetivando o regular débito do ICMS na saída de cada estabelecimento, com o respectivo crédito no estabelecimento de destino, ambos de sua titularidade.

Além disso, muitos se beneficiam de incentivos fiscais, como pagamento a menor de ICMS, via redução de base de cálculo, e/ou créditos presumidos, nas transferências entre seus estabelecimentos, sobretudo nas remessas a Centros de Distribuição (CD) e filiais localizados em outros estados da Federação.

Outro ponto que merece destacada atenção é que a Corte também declarou inconstitucional trecho do art. 11, §3º, inciso II, da LC 87/96, que previa como “autônomo cada estabelecimento do mesmo titular”, o que pode impactar nas obrigações acessórias de cada filial, como as informações declaradas no Sped (Sistema Público de Escrituração Digital) e na EFD (Escrituração Fiscal Digital).

De fato, em se tratando o ICMS de imposto não-cumulativo, para os contribuintes que adotam o creditamento nas transferências intercompany, notadamente nas remessas interestaduais, há o receio de os créditos serem anulados no destino, já que a Constituição Federal veda o aproveitamento de créditos anteriores à operação sobre a qual não incide o tributo (art. 155, § 2º,
II, “a” e “b”2).

Sobre esse aspecto, há quem defenda – e a essa corrente nos filiamos – que não se trataria de isenção ou, tampouco, de “não-incidência” do imposto, o que exigiria o seu estorno, mas mera movimentação física (em que não há a ocorrência do fato gerador do ICMS).

Com efeito, esse entendimento encontra amparo nos próprios conceitos de operação (negócio jurídico), que é o núcleo do ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação), e de circulação (mudança da titularidade), que corroboram se tratar de simples deslocamento, a invalidar a necessidade de estorno do crédito no destino.

Assim, se a empresa é uma unidade, independentemente de quantas filiais e estabelecimentos tiver – o que foi reforçado pelo STF no julgamento da ADC 49 – por quais razões haveria de se estornar o crédito? Seria como “passar de uma mão para a outra”, pois não há operação, isto é, mudança de titularidade, com previsão de não-incidência, a ensejar a anulação do crédito relativo às operações anteriores.

Nesse sentido, inclusive, o STF, no julgamento do RE 1.141.756 (Tema nº 1.052 da repercussão geral, 28/09/20), decidiu que a saída de bens em comodato não acarreta o estorno do crédito, uma vez que “ausente operação de saída, descabe cogitar de situação reveladora de exoneração tributária – isenção ou não incidência –, a fim de impedir-se o aproveitamento dos créditos, conforme as balizas versadas no preceito”, exatamente o que ocorre na remessa entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica, visto que não há saída jurídica.

No caso de transferências de bens de uso/consumo e ativo fixo, o cenário é simples: a remessa, ainda que entre diferentes estados, não é tributada e ponto.

A dificuldade começa a aparecer no caso de mercadorias que são transferidas de um estado a outro para então serem vendidas, já que poderia se presumir que o crédito ficaria no estado de origem e o débito no estado de destino. Há uma incongruência de natureza operacional nesse aspecto, pois não há previsão para a transferência de créditos entre os estados.

Ou ainda, partindo-se do pressuposto que a empresa é uma entidade única e indivisível, a consolidação dos créditos deverá se dar sempre na matriz da empresa? E daí todas as operações, ainda que realizadas integralmente pelas filiais, serão interestaduais?

Isso seria um verdadeiro gatilho para a guerra fiscal, já que os estados em que as filiais estão situadas ficariam sempre com a diferença da alíquota.

Considerando, entretanto, que outros dispositivos da LC 87, que também tratam da autonomia dos estabelecimentos, não foram alterados, bem como que o pedido da Ação não ultrapassa essa seara – e, em decorrência, tampouco a decisão proferida – nos parece seguro afirmar que a autonomia dos estabelecimentos restou mantida quanto às verdadeiras operações.

Já no que se refere a eventuais benefícios fiscais concedidos, como redução na base de cálculo, vale a lógica adotada nas promoções: se o contribuinte não paga nada, o desconto é maior.

Além disso, pensando nos casos em que há reais vantagens financeiras, nenhum benefício foi revogado. Portanto, se há previsão nas legislações estaduais (o que poderia ter sido afastado por arrastamento pelo STF) e convênio firmado entre os estados, é possível a manutenção da sistemática, pelo menos até que sobrevenha ato específico de revogação.

Nada obstante, diante de todos esses impasses e questionamentos, é esperado que o Supremo module, em alguns aspectos, a decisão, o que foi pleiteado pelo estado do RN, por meio de embargos de declaração.

Em seu recurso, o estado do RN aduziu que os reflexos da decisão são impactantes não apenas para os estados, que sofrerão perdas com a distribuição federativa da arrecadação do ICMS, mas também para os contribuintes, que deverão sofrer o estorno dos créditos nas suas filiais.

Embora se discorde desse último aspecto, como já adiantado, é certo que alguns pontos merecem esclarecimento, como é o caso do alcance da decisão quanto à autonomia dos estabelecimentos. Isso porque, caso não se limite os efeitos da decisão, o que pode ser feito por meio de “declaração parcial de inconstitucionalidade, sem redução de texto”, poderá emergir novas discussões acerca da competência dos entes federativos.

Além disso, o estado do RN pleiteou a suspensão dos efeitos da decisão até o julgamento dos embargos e modulação dos efeitos a partir de 2022.

A previsão de modulação, a nosso ver, é bem-vinda, sobretudo em relação às transferências do passado, já que, embora a jurisprudência fosse pacífica, é certo que a segurança jurídica não pode estar adstrita apenas ao Judiciário, mas à realidade das relações entre sociedade e Estado, como já entendeu a própria Corte:

“O postulado da segurança jurídica, enquanto expressão do Estado Democrático de Direito, mostra-se impregnado de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público (RTJ 191/922), em ordem a viabilizar a incidência desse mesmo princípio sobre comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do Estado, para que se preservem, desse modo, sem prejuízo ou surpresa para o administrado, situações já consolidadas no passado. A essencialidade do postulado da segurança jurídica e a necessidade de se respeitarem situações consolidadas no tempo, especialmente quando amparadas pela boa-fé do cidadão, representam fatores a que o Poder Judiciário não pode ficar alheio.”
E a realidade nos mostra que os contribuintes estão confusos e os tributaristas divididos em relação aos efeitos do julgamento.

Há que se ressaltar, entretanto, que, embora a modulação venha ocorrendo com frequência no âmbito da Suprema Corte, a exemplo do julgamento da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, o Ministro Relator Luiz Edson Fachin votou contra a modulação naquele caso.

Segundo destacou em seu voto, a modulação deve “ocorrer em situações excepcionais, ou seja, quando há alteração jurisprudencial à luz do interesse social e da segurança jurídica”. E, em que pese a existência de evidente interesse social, bem como necessidade de se preservar a segurança jurídica, é fato que a jurisprudência sobre o assunto não sofreu qualquer alteração nos últimos 50 anos.

Se, como dizia Tom Jobim, “o Brasil não é um país para principiantes”, o seu sistema tributário não facilita nem para os mais experientes.

 

Por Claudia Frias 

1 Artigos 11, § 3º, II, 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular” e 13, § 4º, no trecho “autônomo cada estabelecimento do mesmo titular”.

2 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(…)
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(…)
II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:
a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;
b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores”.

Amortização de Ágio em Reestruturações Societárias – Breve Análise do “caso GERDAU”

De acordo com o artigo 7º, III, da Lei nº 9.532/1997, a pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio, poderá amortizar tal dispêndio, excluindo os valores de seu lucro fiscal na proporção de 1/60, no máximo, por mês.

Em outras palavras, o contribuinte poderá deduzir tais investimentos de seu lucro fiscal, desde que isso se dilua em, no mínimo, cinco anos (sessenta meses), evidenciando a preocupação do legislador em estender o prazo para a exclusão dos dispêndios, a fim de não prejudicar a arrecadação federal.

Com o advento da Lei nº 12. 973/14, foram impostas restrições à amortização de tal ágio, merecendo destaque aquela que prevê expressamente como requisito que a aquisição de participação societária envolva partes independentes.

Muito se discute sobre a regularidade das operações envolvendo ágio e reiteradas são as autuações lavradas pela Receita Federal do Brasil para exigir valores a título de IRPJ e CSLL – tributos incidentes sobre o lucro fiscal – que deixaram de ser recolhidos em razão da amortização do ágio, com fundamento na suposta ocorrência de abuso de direito, fraude, dolo ou simulação em operações que, no entender do Fisco, teriam como objetivo exclusivo a economia tributária.

Uma das discussões que se tornaram notórias no âmbito do CARF foi o “caso GERDAU” (anterior à Lei nº 12. 973/14), que já chegou a ganhar contornos favoráveis ao contribuinte, como se observa dos seguintes trechos da decisão, posteriormente reformada, proferida pela 1ª Turma Ordinária da 1ª Câmara:

“(…) O ágio é a diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor patrimonial das ações adquiridas. Os requisitos são a aquisição de participação societária e o fundamento econômico do valor de aquisição. Fundamento econômico do ágio é a razão de ser da mais valia sobre o valor patrimonial. A legislação fiscal prevê as formas como este fundamento econômico pode ser expresso (valor de mercado, rentabilidade futura, e outras razões) e como deve ser determinado e documentado.
ÁGIO INTERNO.
A circunstância da operação ser praticada por empresas do mesmo grupo econômico não descaracteriza o ágio, cujos efeitos fiscais decorrem da legislação fiscal. A distinção entre ágio surgido em operação entre empresas do grupo (denominado de ágio interno) e aquele surgido em operações entre empresas sem vínculo, não é relevante para fins fiscais.
ÁGIO INTERNO. INCORPORAÇÃO REVERSA. AMORTIZAÇÃO.
Para fins fiscais, o ágio decorrente de operações com empresas do mesmo grupo (dito ágio interno), não difere em nada do ágio que surge em operações entre empresas sem vínculo. Ocorrendo a incorporação reversa, o ágio poderá ser amortizado nos termos previstos nos arts. 7° e 8° da Lei n° 9.532, de 1997.
ASSUNTO: NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO
Ano-calendário: 2005, 2006, 2007, 2008
ART. 109 CTN.ÁGIO. ÁGIO INTERNO.
É a legislação tributária que define os efeitos fiscais. As distinções de natureza contábil (feitas apenas para fins contábeis) não produzem efeitos fiscais. O fato de não ser considerado adequada a contabilização de ágio, surgido em operação com empresas do mesmo grupo, não afeta o registro do ágio para fins fiscais.
(…)
PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO. ELISÃO. EVASÃO.
Em direito tributário não existe o menor problema em a pessoa agir para reduzir sua carga tributária, desde que atue por meios lícitos (elisão). A grande infração em tributação é agir intencionalmente para esconder do credor os fatos tributáveis (sonegação).
ELISÃO.
Desde que o contribuinte atue conforme a lei, ele pode fazer seu planejamento tributário para reduzir sua carga tributária. O fato de sua conduta ser intencional (artificial), não traz qualquer vicio. Estranho seria supor que as pessoas só pudessem buscar economia tributária lícita se agissem de modo casual, ou que o efeito tributário fosse acidental. (…)”.
(Processo nº 10680.724392/2010-28. CARF. 1ª Câmara/1ª Turma Ordinária. Julgado em 11/04/2012 – grifou-se)

Não obstante, o posicionamento firmado acabou sendo reformado pela Câmara Superior do CARF, última instância administrativa, que entendeu pelo restabelecimento da glosa da despesa de amortização de ágio gerado internamente ao grupo econômico, sem qualquer dispêndio, e transferido à pessoa jurídica que foi incorporada (Câmara Superior de Recursos Fiscais, Sessão de 13 de julho de 2016).

De acordo com o voto da Conselheira Relatora, em linhas gerais, não haveria que se falar no surgimento de ágio interno em grupo societário, tendo em vista que, no seu entender:

“(…) o ágio surge na aquisição de investimento avaliado pelo método de equivalência patrimonial, quando o valor pago pelas cotas/ações é maior do que o valor patrimonial dessas ações. Pode ocorrer tanto na aquisição da participação societária junto a terceiros, como na subscrição/integralização de capital em sociedade já existente ou em fase de constituição.

Para a caracterização do ágio é necessário que haja dispêndio para obter algo de terceiros. A operação surge da vontade das partes independentes, que, no interesse comum, estabelecem um preço que reflita o valor real do investimento, baseando em fundamentos econômicos que demonstrem não estar plenamente representado na contabilidade da investida o seu valor justo.

(…) Em essência, o que não se pode aceitar e validar nos autos ora em análise é que um Grupo Econômico, por meio de um laudo de reavaliação de ativos com base em rentabilidade futura, aumente o valor de seus ativos, crie o ágio, transfira esse ágio, e depois deduza a amortização desse ágio do IRPJ e da CSLL sem ter, sequer, efetuado qualquer dispêndio sobre esse ágio. (…)”.

Esgotada a instância administrativa, o contribuinte se defendeu com a oposição de Embargos à Execução Fiscal, os quais foram julgados procedentes pelo Juízo de primeira instância, que entendeu que, como os movimentos societários que levaram ao surgimento do ágio glosado ocorreram entre 2004 e 2005, não é possível aplicar a restrição imposta pela Lei nº 12.973/2014, no sentido de que a amortização do ágio somente é viável em operações realizadas entre empresas não dependentes, sob pena de violação aos artigos 106 e 109 do Código Tributário Nacional, que tratam da interpretação e irretroatividade da lei fiscal.

Referida sentença foi, recentemente, confirmada, em decisão não unânime, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, consagrando o entendimento segundo o qual “a pessoa jurídica, antes da vigência da Lei n. 12.973/14, que absorver patrimônio de outra em virtude de incorporação ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio, baseado em rentabilidade futura, ainda que o aumento do capital social que deu origem ao ágio tenha sido integralizado com ações de sociedade integrante do mesmo grupo econômico, juntamente com capital de terceiros, poderá amortizá-lo na forma prevista no art. 7º, III, da Lei n. 9.532/97”.

Vale dizer, diante da ausência de quaisquer vedações impostas pela Lei 9.532/97, não é dado ao Fisco criá-las com base em critérios puramente contábeis, sobrepondo-os às normas jurídicas para privilegiar a arrecadação Fiscal, violando, assim, a autonomia da vontade, a liberdade econômica, a proteção da confiança, a segurança jurídica e o princípio da legalidade.

Esse posicionamento do Poder Judiciário, apesar de ainda ser passível de revisão pelas instâncias superiores, representa um importante precedente sobre o ágio, matéria ainda tão pouco discutida no âmbito judicial, e que acabou ganhando contornos desfavoráveis na esfera administrativa.

A despeito das especificidades do caso analisado, é certo que se essa postura se consolidar, as empresas terão maior segurança jurídica para realizar operações de reestruturação societária que resultem em economia fiscal, o que não é vedado pelo nosso ordenamento, mas não agrada a visão arrecadatória do Fisco.

Por Bruna de Oliveira Lopes

ITCMD sobre doações e herança no exterior

O STF concluiu, no último 26/02, o julgamento do Recurso Extraordinário 851.108, afetado sob a sistemática da repercussão geral (Tema 825), definindo que os estados e o Distrito Federal não possuem competência legislativa para instituir a cobrança sobre o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) nas hipóteses de doações e heranças advindas do exterior.

O Plenário do STF encerrou a discussão com o placar de votação em 7 votos favoráveis à inconstitucionalidade da cobrança do imposto, contra 4 votos a favor de sua constitucionalidade.

Adentrando ao mérito da discussão, vale destacar que o texto constitucional atribui à lei complementar a instituição do ITCMD nos casos envolvendo possível tributação de país estrangeiro, quais sejam: (i) se o doador tiver domicílio ou residência no exterior; (ii) se o inventário for realizado fora do Brasil e (iii) se os bens inventariados estiverem localizados no exterior (art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal).

Importa salientar que a Constituição Federal foi promulgada há mais de 30 anos e, até a presente data, ainda não foi editada a lei complementar que define os elementos essenciais da hipótese de incidência do ITCMD.

Tal lacuna legislativa abriu margem para os estados exercerem a competência concorrente para legislar, prevista no art. 24 do texto constitucional, editando normas sobre a tributação das doações ou heranças de bens localizados no exterior. Dos 27 estados federados, 22 possuem previsão e suas respectivas leis estaduais.

Como forma de evitar a bitributação em razão do evidente conflito de competência, a discussão teve sua repercussão geral reconhecida pelo STF em 2015 e, somente mais de 5 anos depois teve a seguinte tese fixada: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.

A questão quanto à modulação dos efeitos da decisão, isto é, a partir de quando a decisão de inconstitucionalidade passará a produzir seus efeitos, ainda não foi decidida pelo STF.

Até o momento, a maioria dos Ministros acompanhou a proposta de modulação dos efeitos do Relator, para que a produção dos efeitos da decisão passe a valer a partir da publicação do acórdão, com ressalvas às ações judiciais ajuizadas anteriormente, com discussões relativas: (i) a qual estado o contribuinte deve efetuar o pagamento do ITCMD; e (ii) a validade da cobrança do ITCMD, não tendo sido pago anteriormente.

Como não foi formada a maioria pela modulação dos efeitos até o momento, o Plenário se reunirá novamente para a definição de como serão aplicados os efeitos do reconhecimento pela inconstitucionalidade.

Permanecemos à disposição para maiores esclarecimentos sobre o assunto.

Por Sabrina Leri de Souza

Vitória fora de campo: STF põe fim na disputa entre atletas e Receita Federal

Há anos, atletas e treinadores enfrentam uma questão que vai muito além de seu desempenho dentro das quatro linhas: a possibilidade – ou não – de prestarem serviços personalíssimos por meio de pessoas jurídicas.

Só de 2013 para cá, mais de 300 esportistas brasileiros foram autuados pela Receita Federal, incluindo os jogadores de futebol Neymar Jr. e Alexandre Pato, os técnicos Felipão e Cuca, além do ex-tenista Guga.

Isso porque, a Lei Pelé (Lei 9.615/98) determina, em seu artigo 87-A, que “o direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo”.

E, respaldados na referida Lei , é muito comum que atletas e técnicos recebam os salários da seguinte forma: 60% do valor total do salário é pago à pessoa física, enquanto os outros 40% são caracterizados como direito de imagem, registrados em nome de uma empresa.

No entanto, de acordo com o Fisco, o direito de imagem dos atletas só poderia ser explorado pelo próprio indivíduo (pessoa física), jamais por intermédio de empresas (pessoas jurídicas), por ser deles indissociável.

A Receita sempre entendeu pela existência de vantagem econômica ilegal, uma vez que o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) permite deduções (lucro real) ou bases reduzidas para a incidência (lucro presumido), fazendo com que a alíquota efetiva do Imposto de Renda fique bem abaixo da alíquota de 27,5% do Imposto de Renda Pessoa Física, que seria facilmente alcançada nessas carreiras.

A discussão poderia ter se encerrado em 2005, quando a Lei 11.196, conhecida como “Lei do Bem”, entrou em vigor e dispôs, em seu artigo 129:

“Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.”

O dispositivo reconheceu, basicamente, que o direito de imagem, como outros bens personalíssimos, pode ser explorado por seus detentores por meio de empresas, sem que isso – apenas – caracterize qualquer ilegalidade ou vantagem indevida por parte dos atletas.

Ainda insatisfeita, a Receita Federal continuou autuando os atletas, sob o fundamento de que o recebimento de contrapartidas pelo uso da imagem diretamente na pessoa jurídica representaria uma operação sem substância ou propósito negocial, uma espécie de mecanismo artificial, utilizado como forma de reduzir a carga tributária.

Por essa razão, diante da postura do Fisco, a Confederação Nacional da Comunicação Social ajuizou a Ação Direta de Constitucionalidade nº 66, a fim de que o Supremo Tribunal Federal definisse se o artigo 129 da Lei do Bem é ou não constitucional.

E é. No final do ano passado, para alívio dos atletas e demais exploradores de direitos personalíssimos, com o placar de 8 votos a 2, a maioria dos ministros da Suprema Corte definiu por sua constitucionalidade, considerando que a opção pela contratação de pessoa jurídica para prestação de serviços intelectuais (como o direito de imagem de atletas) é legítima.

Assim, não apenas atletas e técnicos, mas também artistas, médicos, publicitários e outros profissionais liberais que abrem empresas para receber o pagamento pelos seus serviços de natureza intelectual ou personalíssima, tiveram uma ótima notícia – o que não quer dizer que todo aquele que fizer uso de empresa para explorar direito personalíssimo terá sua atividade automaticamente validada.

Isso porque, a Receita Federal deve avaliar a legalidade e a regularidade dos procedimentos adotados, em conformidade com a legislação , a fim de se evitar abuso de personalidade, constatado por meio do desvio de finalidade da atividade empresarial e/ou da confusão patrimonial entre os bens do profissional e da empresa, o que poderá ensejar a desconsideração da pessoa jurídica.

O que não cabe à Fiscalização, todavia, é a infundada presunção de que toda empresa de atleta que faz uso da sua imagem é uma estrutura irregular.

Até porque, a utilização de pessoas jurídicas por atletas com o fim de explorar direitos de imagem tem amparo, não somente na Lei Pelé e na Lei do Bem, mas também nos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, que asseguram aos agentes econômicos a liberdade de formular estratégias negociais indutoras de maior eficiência econômica e competitividade.

Resta evidente, dessa forma, que dispondo o ordenamento jurídico de caminhos diferentes para que uma atividade seja exercida, o contribuinte não está obrigado a seguir a via mais onerosa.

Por Nicolas R. Fokin

Guerra Fiscal Municipal: A inconstitucionalidade dos cadastros de ISS para empresas de fora do município

O STF, no julgamento do RE 1.167.509 (Tema 1.020 de repercussão geral), entendeu pela inconstitucionalidade da exigência dos contribuintes do ISS manterem cadastro em outros municípios que não o da própria sede, fixando, no dia 01/03/2021, a seguinte tese de repercussão geral: “É incompatível com a Constituição Federal disposição normativa a prever a obrigatoriedade de cadastro, em órgão da Administração municipal, de prestador de serviços não estabelecido no território do Município e imposição ao tomador da retenção do Imposto Sobre Serviços – ISS quando descumprida a obrigação acessória”.

O assunto vem sendo questionado desde 2005, ano em que a Secretaria de Finanças do Estado de São Paulo criou o CPOM (Cadastro de Empresas Fora do Município), objetivando identificar pessoas jurídicas inscritas em outros municípios e contratadas por tomadores de serviços paulistanos, na tentativa de evitar a criação de sedes “fantasmas”, com finalidades meramente fiscais.

Um exemplo clássico do que São Paulo tentou afastar com a criação desse cadastro foi o êxodo de empresas prestadoras de serviço para municípios vizinhos com alíquota menor, como é o caso de Barueri, cuja alíquota, regra geral, é de 2% a 3%, enquanto na Capital é de 5%.

Diversas empresas, no entanto, possuíam apenas uma sede fictícia no município, enquanto suas atividades eram, na maior parte, realizadas em São Paulo.

Algumas exigências para este cadastro eram contas telefônicas, folha de empregados, fotos da sede, dentre outras, o que às vezes era difícil comprovar, notadamente se a empresa estava no início de suas atividades.

Neste contexto de guerra fiscal municipal, outros municípios passaram a adotar obrigações acessórias semelhantes a São Paulo, obrigando contribuintes a manter diversos cadastros de ISS como forma de “fiscalização” das alíquotas adotadas.
Inconformados, diversos contribuintes insurgiram-se contra a questão, apontando, dentre outros argumentos: (i) que a retenção de ISS pelo tomador de serviço incorreria em bitributação, já que o município sede também faria as retenções; e (ii) que haveria incompetência municipal para eleger, como responsáveis tributários, tomadores de serviço cujos prestadores estejam fora do respectivo território, vez que somente a lei complementar revela-se apta a dispor sobre normas gerais de direito tributário.

Referida discussão chegou ao Supremo apenas no final de 2018, por meio do citado Recurso Extraordinário, sob a relatoria do Min. Marco Aurélio e, restou decidida com um placar de 8×3 pró-contribuintes.

Em seu voto, o Min. Relator acolheu os argumentos levantados pelos contribuintes, destacando que:

“Se não há competência para instituição do tributo, como é possível o fisco municipal criar obrigação acessória? O sistema não fecha!
A disciplina versada na norma é estranha ao interesse local, configurando ofensa ao disposto no artigo 30, inciso I, da Lei Maior.”

A fixação desta tese de repercussão geral veio para garantir aos contribuintes a segurança jurídica em suas operações, além de desburocratizar suas prestações de serviço.

Permanecemos à disposição para maiores esclarecimentos sobre o assunto.

Por Sabrina Leri de Souza

Tributação sobre softwares: ICMS vs ISS

O Supremo Tribunal Federal, por meio das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 5.659 e 1.945, vem discutindo, desde o final de 2020, a incidência do ICMS sobre suporte e programas de computador (softwares).

A discussão veio à tona quando os estados começaram a tributar a integralidade das operações envolvendo softwares com o ICMS, sem desonerar os contribuintes da obrigação de recolher o ISS sobre as mesmas operações às prefeituras, o que caracteriza a malfadada bitributação.

Além dessa duplicidade de cobranças sobre o mesmo valor, a questão ainda reforçou o conflito de competência entre o ente estadual e o ente municipal, uma vez que o ICMS é imposto de competência estadual e o ISS é imposto de competência municipal.

Os defensores da cobrança do ICMS apresentam o argumento de que os softwares são mercadorias, ainda que sua circulação possa acontecer no formato virtual, devendo, portanto, aplicar-se por analogia o mesmo conceito utilizado às discussões envolvendo softwares “de prateleira”, isto é, aqueles disponíveis por meio de CD-ROM (que tem seguido o mesmo caminho dos disquetes).

Já aqueles que entendem pela incidência do imposto municipal, baseiam-se no fato de tal serviço encontrar-se expresso em lei como tributável pelo ISS, além de restar clara a necessidade de prestação de serviço, uma vez que a maioria dos softwares demandam atualizações periódicas.

Nessa toada, no dia 11/11/2020, o Supremo Tribunal Federal formou maioria para afastar a incidência do ICMS das referidas operações. Na ocasião, o Ministro Dias Toffoli propôs a modulação dos efeitos da decisão, para que passe a valer apenas a partir do trânsito em julgado do recurso, levando em consideração a mudança abrupta que o conceito de software sofreu – de um produto físico, vendido em prateleiras, para um programa baixado diretamente da internet mediante o pagamento de uma licença de uso.
É notável que a jurisprudência está acompanhando a modernização do conceito de software, já que os poucos softwares de prateleira ainda existentes sofreriam, de toda forma, a incidência do ISS, uma vez que suas atualizações periódicas demandam esforço intelectual (obrigação de fazer) e, com isso, a efetiva prestação de serviços ao usuário.

O julgamento pela Suprema Corte ainda não foi finalizado e, após pedido de vista do Min. Nunes Marques, aguarda-se nova sessão para possível encerramento do debate.

De todo modo, já é possível dizer que o rumo que vem sendo tomado pelo Supremo irá favorecer as empresas de tecnologia, já que as alíquotas de ISS são, via de regra, muito menores que as do ICMS.

Vale ressaltar que são muitas as discussões que levantam este conflito de competência entre ISS e ICMS, facilmente observadas nas chamadas “operações mistas”, isto é, situações em que há tanto a prestação de serviços, quanto o fornecimento de mercadorias, como vemos nos restaurantes (ICMS) e na manipulação de medicamentos (recentemente definido pelo STF como atividade tributada pelo ISS).

Esses exemplos só reforçam a necessidade de adoção de um imposto sobre o consumo, isto é, com a base mais ampla, nos moldes do IVA , já que o limite entre a obrigação de dar, tributada pelo ICMS, e a obrigação de fazer, tributada pelo ISS, em grande parte das vezes, é muito tênue, com bons argumentos para os dois lados.

A criação do IVA ou imposto similar, no entanto, só é possível por meio da tão esperada reforma do sistema tributário.

Permanecemos à disposição para maiores esclarecimentos.

Por Sabrina Leri de Souza