A Necessária Segurança Jurídica na Alienação de Filiais e UPI na Recuperação Judicial e Falência

As cíclicas crises de determinados setores da economia sempre geram oportunidades de negócios para outros setores. E assim deve ser, para que a roda gire e o ambiente dos negócios prospere. Podemos então entender que a unidade produtiva isolada pode ser uma vertente de negócios da empresa sem estabelecimento segregado da matriz – um “braço” de negócios, uma parte do objeto social exercida na própria matriz, por exemplo, ou segregada dela fisicamente – ainda que não inscrita como filial perante a RFB. 

E para dar suporte a um ambiente saudável de negócios, é esperado que a legislação evolua para acompanhar as mudanças da sociedade, garantindo segurança jurídica e estabilidade nas relações.

Acompanhando essa necessidade de evolução, é que a antiga lei de falências (Decreto-Lei nº 7.661/1945) foi substituída pela Lei nº 11.101/2005, doravante LRF[1], passando a tratar, de forma inovadora, dos processos e negócios decorrentes da recuperação de empresas em dificuldade e dos processos de falência no Brasil.

A intenção do legislador foi tornar os processos e procedimentos mais céleres e eficientes, adotando os princípios da preservação da empresa (quando possível), da participação ativa dos credores e da otimização/maximização dos ativos do devedor ou da massa falida.

Esses princípios estão entrelaçados, na medida em que a otimização dos ativos do devedor ou massa falida atende aos interesses dos credores e, ainda, pode viabilizar a retomada de parte das atividades da empresa, após a alienação de alguns ativos ou unidades de negócio, com o reequilíbrio das contas.

Quando bem executado o plano de recuperação judicial, é possível atender aos interesses globais com a diretrizes da LRF, os quais estão bem delimitados no seu artigo 47:

“Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”

O Ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, em voto proferido por ocasião o julgamento do Recurso Especial 1.187.404/MT[2], foi assertivo ao delimitar o espírito da LRF que é preservar a função social da empresa e corolários daí decorrentes. A conferir:

“Cumpre sublinhar também que, em se tratando de recuperação judicial, a nova Lei de Falências traz uma norma-programa de densa carga principiológica, constituindo a lente pela qual devem ser interpretados os demais dispositivos.

Refiro-me ao art. 47, que serve como um norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, sempre com vistas ao desígnio do instituto, que é “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”. Com efeito, a hermenêutica conferida à Lei n. 11.101/05, no particular relativo à recuperação judicial, deve sempre se manter fiel aos propósitos do diploma.

Vale dizer, em outras palavras, nenhuma interpretação pode ser aceita se dela resulta circunstância que – além de não fomentar – inviabilize a superação da crise empresarial, com consequências perniciosas ao objetivo de preservação da empresa economicamente viável, à manutenção da fonte produtora e dos postos de trabalho, além de não atender a nenhum interesse legítimo dos credores”.

Embora a LRF seja de 2005, o assunto ganha especial relevância pelas sucessivas crises econômicas que o Brasil vem enfrentando desde 2013, que criam um cenário fértil para as operações envolvendo distressed assets.

A aquisição de ativos estressados é vista com grande entusiasmo pelos investidores, em razão da maior probabilidade de fazer bons negócios.

Entretanto, para que seja atrativo, é imprescindível que haja um ambiente de segurança jurídica, para afastar o fantasma da contaminação dos ativos pelas dívidas do alienante.

Afortunadamente, a legislação tem evoluído de modo a amparar a possibilidade de venda de “parcelas da empresa”, de modo a preservar as atividades e a função social da empresa vinculadas a esta parcela específica, sem que isso traga risco de sucessão fiscal e trabalhista, conforme previsão do artigo 60 da LRF, que assim dispõe:

 “Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142[3] desta Lei.” (Grifou-se)

Como se vê, nos termos da lei, as “parcelas da empresa” podem ser filiais ou “unidades produtivas isoladas”.

As filiais são objeto de definição legal e doutrinária como estabelecimentos vinculados e derivados da matriz da empresa, sem personalidade jurídica própria e sem corpo diretivo isolado – ou seja, a diretoria da empresa gerencia todas as suas filiais, assim como os quotistas ou acionistas destacam capital para suas atividades. As atividades da filial podem ser vinculadas ao objeto social da empresa ou às suas atividades-meio, devendo ser, de toda forma, constituídas por meio de deliberação societária e inscritas no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) onde ganham um número derivado da matriz, não para conferir-lhe o caráter de pessoa jurídica, mas tão somente para o cumprimento de determinadas obrigações tributárias acessórias.

A unidade produtiva isolada não tem o mesmo uso e amplo conhecimento do conceito de filial, sendo uma inovação da LRF, muito discutida pela doutrina. Justamente em razão das discussões para se alcançar esse conceito é que, no ano de 2020, foi promulgada a Lei nº 14.112/2020 que trouxe uma série de modificações para a LRF, dentre as quais o conceito de UPI, a conferir:

“Art. 60-A. A unidade produtiva isolada de que trata o art. 60 desta Lei poderá abranger bens, direitos ou ativos de qualquer natureza, tangíveis ou intangíveis, isolados ou em conjunto, incluídas participações dos sócios.”

A amplitude do conceito trazido pela lei nos leva à conclusão de que uma filial pode ser uma unidade produtiva isolada, uma vez que, como estabelecimento, é composta por um conjunto de ativos tangíveis e intangíveis de propriedade da empresa e direcionados para aquela unidade de negócio. Contudo, não necessariamente uma unidade produtiva isolada para os fins da LRF precisa ser ou estar inscrita como uma filial.

Isso porque, no caput do seu art. 60, transcrito anteriormente, o legislador utiliza-se da conjunção alternativa “ou” ao estabelecer filial ou unidade produtiva isolada. Podemos então entender que a unidade produtiva isolada pode ser uma vertente de negócios da empresa sem estabelecimento segregado da matriz – um “braço” de negócios, uma parte do objeto social exercida na própria matriz, por exemplo, ou segregada dela fisicamente – ainda que não inscrita como filial perante a RFB. 

Portanto, a unidade produtiva isolada, segregada fisicamente da matriz ou não, acompanha o mesmo conceito de estabelecimento comercial do Código Civil, qual seja:

“Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.     (Vide Lei nº 14.195, de 2021)

§ 1º O estabelecimento não se confunde com o local onde se exerce a atividade empresarial, que poderá ser físico ou virtual.”

Traçado o paralelo entre as filiais, unidades produtivas isoladas e o conceito de estabelecimento, para fins didáticos iremos nos referir a qualquer destes preceitos simplesmente como “UPI”.

Do ponto de vista societário, o destaque da UPI poderá ocorrer mediante operação de cisão parcial, com versão do patrimônio cindido, consubstanciado pelos ativos tangíveis e intangíveis que compõem a referida unidade ou vertente de negócios, para constituição de nova sociedade ou sociedade pré-existente, ou via drop-down de ativos para outra sociedade, via integralização de capital.

Em situações alheias à recuperação judicial ou à falência, a parcela cindida seria sucessora da matriz em todos os direitos e obrigações a ela vinculados, sendo sua incorporadora ou adquirente responsável por seus passivos de maneira integral.

No mesmo sentido, o Código Tributário Nacional[4] (CTN), em seu artigo 133, previu a sucessão tributária nos casos de alienação de fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, quando o adquirente continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual.

Conforme tratado no início deste artigo, a intenção do legislador com a LRF foi a de maximizar o valor dos ativos e, por consequência, as chances de recuperação da empresa em dificuldades e a satisfação dos credores.

Assim é que, no ano de 2005, foram trazidas importantes inovações no tocante ao afastamento da sucessão tributária nas aquisições de UPI ou filiais de empresas em recuperação judicial ou falência. Tais alterações vieram não só na LRF, mas também pela Lei Complementar (LC) nº 118/2005, na intenção de assegurar segurança jurídica aos negócios efetivados no âmbito da recuperação judicial, afastando o risco de sucessão tributária nas hipóteses trazidas pela LRF.

A LRF, conforme adiantado, previu o afastamento da sucessão tributária nos casos de aquisições de filial ou UPI em processos de recuperação judicial ou falência.

A LC nº 118/2005, por sua vez, incluiu três parágrafos no artigo 133 do CTN (que trata da sucessão tributária), para ressalvar, no ponto que aqui interessa, a sua inaplicabilidade na hipótese de falência ou de alienação de filial ou unidade produtiva isolada em processo de recuperação judicial, confirmando a previsão do artigo 60 da LRF.

É inquestionável a intenção do legislador em dar segurança jurídica aos negócios realizados no âmbito da recuperação judicial, ressalvadas as hipóteses de fraude, que foram assim delimitadas: não haverá sucessão de responsabilidade tributária na hipótese de aquisição de UPI ou filial, aprovada no plano de recuperação, desde que o adquirente não seja (i) sócio da sociedade falida ou da sociedade controlada pelo falido; (ii) parente, em linha reta ou colateral até o 4º (quarto) grau, consanguíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou (iii) identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão.

Passados quinze anos dessas alterações, foi publicada a Lei nº 14.112/2020, que trouxe relevantes alterações para a LRF, em sua maior parte para criar benefícios fiscais para as empresas em processo de recuperação judicial e falência, bem como para criar hipóteses de parcelamento das dívidas fiscais, que não entram no plano de recuperação.

Especificamente para o ponto em análise, interessa mencionar a alteração da redação do parágrafo único do artigo 60 da LRF, para melhor delimitar a extensão da responsabilidade do adquirente de ativos (filial ou UPI). Desde então ficou expressa a ausência de sucessão de obrigações de quaisquer natureza:

“Parágrafo único.  O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta Lei.”

Nos parece redundante a afirmação, mas denota, novamente, a preocupação do legislador em estimular o ambiente de negócios no âmbito da recuperação judicial, afastando qualquer ruído de interpretação que adveio desde a promulgação da LRF, pela doutrina e pela jurisprudência.

Desde 2020, portanto, a ausência de responsabilidade do adquirente da UPI é extremamente abrangente, o que traz a esperada segurança jurídica para o adquirente.

Do ponto de vista da jurisprudência, cabe pôr em relevo as reiteradas manifestações do Superior Tribunal de Justiça no sentido de considerar competente o juízo especializado da Recuperação Judicial para decidir sobre a alegação de sucessão tributária e trabalhista.  A título de exemplo, o seguinte trecho da ementa do Conflito de Competência (CC) 151621 / SP[5]:

“A jurisprudência desta Casa tem reiteradamente reconhecido a configuração de conflito nas hipóteses em que juízos distintos divergem acerca da existência de sucessão nas dívidas e obrigações da recuperanda pela arrematante, nos casos de alienação judicial de unidade produtiva (art. 60, parágrafo único, c/c art. 141, § 1º, da Lei n. 11.101/2005), inclusive declarando a competência do Juízo da recuperação judicial, haja vista ser este o mais habilitado para verificar a extensão e a higidez da alienação, além do evidente prejuízo decorrente do desenvolvimento simultâneo da atividade jurisdicional, sobre o mesmo tema, pelos juízos suscitados.”

Tal posicionamento afasta o risco de outros juízos menos especializados relativizar a proteção da ausência de sucessão dos adquirentes de ativos no contexto da LRF.

O panorama aqui traçado demonstra que o aperfeiçoamento da LRF cria um ambiente estável e seguro para a celebração de negócios, reestruturações de empresas, maximização de ativos, satisfação de credores e soerguimento das empresas em dificuldades.


[1] Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.

[2] Corte Especial do STJ, DJe: 21/08/2013.

[3] A alienação deve observar os procedimentos descritos no art. 142 da LRF, que prevê que a alienação deverá se dar por meio de (i) leilão eletrônico, presencial ou híbrido; (ii) processo competitivo organizado promovido por agente especializado e de reputação ilibada, cujo procedimento deverá ser detalhado em relatório anexo ao plano de realização do ativo ou ao plano de recuperação judicial, conforme o caso; ou (iii) por qualquer outra modalidade, desde que aprovada nos termos da lei. Ainda, ocorrerá no prazo máximo de 180 dias contados da lavratura do laudo de arrecadação, quando o processo se der no âmbito da falência, independentemente do momento de mercado – se positivo ou negativo, em ciclo de alta ou baixa – e do quadro geral de credores.

[4] Lei nº 5.172/1966.

[5] Relator para acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Segunda Seção do STJ, DJe 04/12/2018.

Lei do Bem e suas aplicações

No ano de 2022, o Brasil registrou o menor número na publicação de artigos científicos desde 1996, equiparando-se à Ucrânia – que está em guerra – dentre os 51 países analisados pela Agência Bori e a Editora Elsevier[1].

Há anos que se discute o sucateamento da pesquisa brasileira, sobretudo por meio de frequentes cortes de verbas a fundos de pesquisa, como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), e ao próprio Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Dados da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) mostram que a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) perderam aproximadamente 51% da verba para financiar pesquisas nos últimos dez anos[2].

Com o fim da pandemia – que deixou mostras claras do que a falta de investimento em pesquisa pode acarretar – e sinais de recuperação econômica, o desafio agora é fomentar a pesquisa e a inovação nas Universidades e organizações em geral.

No caso das empresas, uma opção bastante incentivada é o investimento em projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação tecnológica (PD&I), que podem resultar em benefícios fiscais, como os previstos pela chamada “Lei do Bem” (Lei nº 11.196/2005).

A Lei do Bem, regulamentada pelo Decreto nº 5.798/2006, é considerada um dos principais instrumentos de estímulo às atividades de PD&I nas empresas brasileiras.

Isso porque, empresas optantes do regime de tributação do Lucro Real, que estejam em situação fiscal regular e computem lucro fiscal no ano base, podem se beneficiar diversos incentivos voltados aos investimentos com PD&I, como:

  • Dedução da soma dos dispêndios de custeio nas atividades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – PD&I no cálculo do IRPJ e CSLL, nos seguintes percentuais:
    • Até 60%, via exclusão;
    • Mais 10%, na contratação de pesquisadores para PD&I (Incremento inferior a 5%);
    • Mais 20%, na contratação de pesquisadores para PD&I (Incremento superior a 5%); e
    • Mais até 20%, nos casos de patente concedida ou registro de cultivar.
  • Redução de 50% do IPI na aquisição de bens destinados à PD&I;
  • Depreciação Acelerada Integral de bens novos destinados à PD&I;
  • Amortização Acelerada de bens intangíveis destinados à PD&I; e
  • Redução a zero da alíquota do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) nas remessas de recursos financeiros para o exterior destinadas ao registro e manutenção de marcas, patentes e cultivares.

A ideia motriz da Lei é estimular investimentos privados em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, seja na concepção de novos produtos, seja no processo de fabricação, ou mesmo na agregação de novas funcionalidades ou características ao produto/processo que objetive ganho de qualidade ou de produtividade, resultando em maior competitividade no mercado.

Esses benefícios visam estimular a fase de maior incerteza quanto à obtenção de resultados econômicos e financeiros pelas empresas no processo de criação e testes de novos produtos, processos ou aperfeiçoamento dos mesmos, o momento do chamado risco tecnológico.

De acordo com o MCTI, as atividades de P&D não precisam se relacionar necessariamente à atividade fim da empresa, bastando que sejam classificadas como:

  • Pesquisa básica dirigida: os trabalhos executados com o objetivo de adquirir conhecimentos quanto à compreensão de novos fenômenos, com vistas ao desenvolvimento de produtos, processos ou sistemas inovadores;
  • Pesquisa aplicada: são os trabalhos executados com o objetivo de adquirir novos conhecimentos, com vistas ao desenvolvimento ou aprimoramento de produtos, processos e sistemas;
  • Desenvolvimento experimental: são os trabalhos sistemáticos delineados a partir de conhecimentos pré-existentes, visando a comprovação ou demonstração da viabilidade técnica ou funcional de novos produtos, processos, sistemas e serviços ou, ainda, um evidente aperfeiçoamento dos já produzidos ou estabelecidos.

Esse conceito de inovação tecnológica adota como referência o Manual de Frascati[3], no qual se prestigia a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico em detrimento do resultado final, isto é, se a inovação pretendida teve o fim esperado ou não.

Embora, a princípio, pareça algo complexo, a verdade é que muitas empresas já desenvolvem algum tipo de pesquisa ou projeto tecnológico sem se darem conta que podem se beneficiar da Lei do Bem. Algumas respostas a simples perguntas podem esclarecer se o projeto em desenvolvimento é aplicável:

  • Trata-se de pretendida Inovação em Produto ou Processo?
  • Qual o elemento tecnologicamente novo ou inovador do projeto?
  • Trata-se de aperfeiçoamento significativo de produto/processo pré-existente?
  • Existe aplicação de conhecimento ou técnica de uma nova fórmula?
  • Quais os avanços científicos e tecnológicos embutidos no Projeto?
  • Quais os métodos aplicados na pesquisa?
  • Existe similaridade com outro projeto em âmbito nacional?
  • A novidade (em caso de sucesso) é para a empresa ou para todo o mercado?
  • O sucesso do projeto deve interessar outras organizações?

Para dar um exemplo prático de projetos assessorados pelo nosso escritório, que tiveram sucesso com a Lei do Bem, podemos citar uma empresa que desenvolveu um novo método de calcinação[4] da argila em forno industrial, um processo até então não aplicado no Brasil, que pretendia reduzir o tempo do processo de calcinação com maior eficiência térmica, resultando em uma redução de consumo energético no processo de até 40%.

O projeto foi desenvolvido com o apoio de pesquisadores de uma Universidade e inovou um importante processo que era usual para a empresa, resultando em excelentes ganhos.

No entanto, como destacado, o resultado em si é um proveito da empresa, mas o que é realmente incentivado por meio dos benefícios fiscais da Lei do Bem é a própria pesquisa, independentemente dos resultados obtidos.

É o que se costuma chamar de “ganha-ganha”, com um adicional: ganha a empresa que investe em pesquisa e inovação, que geralmente tem resultados satisfatórios e ainda conta com benefícios fiscais; ganha o MCTI, que fomenta o desenvolvimento do país; e ganha a sociedade, com o incremento tecnológico, que gera empregos e não deixa a Universidade acabar.


[1] https://abori.com.br/ciencia/producao-de-ciencia-no-br-caiu-pela-1a-vez-em-2022-queda-em-numero-de-artigos-foi-observada-em-23-paises/

[2] https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2022/01/cortes-diminuem-bolsas-de-pesquisa-e-prejudicam-publicacoes-cientificas.shtml

[3]https://antigo.mctic.gov.br/mctic/export/sites/institucional/indicadores/detalhe/Manuais/OCDE-Manual-Frascati-em-portugues-Brasil.pdf

[4] Calcinação é o tratamento térmico a que é submetido, notadamente carbonatos e hidratos, para remoção de CO2, água e outros gases “ligados fortemente, quimicamente” a essas substâncias. (ROSENQUIST, 1983)

A Problemática Envolvendo o PIS e a COFINS no Sistema Judiciário

Ao analisarmos os litígios envolvendo o PIS e a COFINS nas 11 teses em discussão no Superior Tribunal Federal (“STF”), torna-se fácil concluir que são impostos extremamente problemáticos que têm causado um cenário de absoluta insegurança jurídica para o contribuinte.

Desde sua criação, o PIS e a COFINS vêm sendo usados como uma “carta coringa” para que a União pudesse elevar a sua arrecadação de maneira rápida. Diferentemente de outros tributos em que há de se aguardar um ano para que alterações na legislação entrem em vigor, as alterações legislativas do PIS e a COFINS levam apenas 90 dias, o que, conforme podemos observar nas últimas décadas, tem sido um dos fatores para aumento do índice de disputas judiciais.

Não é por outra razão que essa natureza problemática têm sido usada como um dos principais argumentos para justificar a necessidade de uma reforma tributária, já que, dos R$ 892,8 bilhões envolvidos nas disputas tributárias que ocorrem nos tribunais superiores, R$ 635,4 bilhões envolvem o PIS e a COFINS, o que além de revelar a imensa importância política presente no debate, por conta do fato de que as discussões judiciais tem um grande potencial de impacto nos cofres públicos, acaba por colocar o contribuinte na posição mais vulnerável nas disputas judiciais.

Essa vulnerabilidade se mostra ao passo em que, mesmo que todos os casos em debate no STF tivessem decisão pró-contribuinte, ainda sim haveriam artifícios legais para que os impactos nos cofres públicos não fossem tão devastadores.

A modulação de efeitos, por exemplo, tem sido cada vez mais aplicada com a finalidade de reduzir danos ao Estado, ao mesmo tempo em que na última década as decisões proferidas pelos tribunais superiores tem seguido um sentido completamente oposto à jurisprudência vigente, causando uma instabilidade extremamente prejudicial ao contribuinte.

Um exemplo claro que alimentou o cenário de insegurança jurídica envolvendo o PIS e a COFINS, onde a eficácia do prazo nonagesimal foi amplamente questionado, ocorreu em janeiro deste ano, quando o Decreto n° 11.322/2022 que reduzia o PIS e a COFINS em 50% para pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não-cumulativa foi revogado, sem o respeito ao prazo de 90 dias.

Ainda que a constitucionalidade da referida revogação esteja sendo julgada nos autos da ADC 84, esse caso escancara mais um exemplo de situação em que o contribuinte foi inevitavelmente colocado como elo fraco dos litígios que envolvem esses tributos, já que, mesmo que o prazo de 90 dias constitucionalmente resguardado tenha o objetivo de servir como uma defesa do contribuinte contra abusos do Estado, prevenindo alterações legislativas repentinas, ainda assim, as decisões acabam por estar sujeitas à alterações jurisprudenciais impulsionadas por interesses políticos que são colocados acima de garantias constitucionais.

Essa situação, dentre inúmeras outras, torna nítida a necessidade de uma reforma tributária para extinguir estes tributos, pois mesmo com uma expressa defesa constitucional que deveria assegurar a segurança jurídica, a arrecadação mal administrada acaba por inúmeras vezes obrigando o contribuinte a recorrer ao judiciário para ver seus direitos resguardados.

Nessa linha, diversas propostas para uma reforma tributária têm trazido grandes expectativas para solucionar esses litígios, sendo que, em boa parte delas, a substituição do PIS e a COFINS por impostos que centralizariam a cobrança, ou concentrariam outros tributos em um só, tem sido um dos pontos mais cruciais a serem considerados para a extinção destes impostos, como por exemplo a Contribuição social sobre bens (CBS), que tem o objetivo de substituir o PIS e a COFINS, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que tem o objetivo substituir o PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS.

Não obstante, há que se falar dos inúmeros obstáculos para a implementação da reforma. Conciliar os interesses de diferentes setores econômicos, simplificar a burocracia envolvida na cobrança de tributos e ao mesmo garantir que a carga tributária seja distribuída de forma justa é um grande desafio a ser atingido, afinal, não é à toa que a discussão tem se prolongado pelos últimos 20 anos.

No entanto, considerando o avanço do debate, que tem sido impulsionado pelo aumento do número de litígios causados pelo sistema tributário atual, e o alto valor envolvendo a problemática que cerca o PIS e a COFINS nas disputas judiciais nos Tribunais Superiores, conforme previamente mencionado, podemos adotar uma expectativa mais otimista de que em breve teremos novidades acerca da tão esperada Reforma Tributária.

Créditos de Carbono: a hora é agora

Nos últimos anos, nosso escritório tem sido bastante consultado, especialmente por empresas estrangeiras, sobre as operações de venda e compra de créditos de carbono, além do desenvolvimento de projetos para geração desses créditos, para os quais analisamos os impactos fiscais e o melhor planejamento tributário a ser adotado desde o início das atividades, até a geração de lucro.

Antenada com esse novo mercado, a sócia Camila Bonolo Parisi destaca a importância dos créditos de carbono e analisa o PL 528/21, que pretende regulamentar a matéria e instituir o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE).

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2022: O DIFAL foi para o espaço

O sócio Antonio Esteves Jr. analisa os efeitos da publicação da LC 190/2022, que trata do DIFAL do ICMS nas operações destinadas a consumidor final não contribuinte, apenas em janeiro de 2022, considerando a necessidade de respeito à anualidade e à noventena dos tributos.

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A (falta de) Regulação dos Criptoativos no Brasil

É notória a ascensão dos criptoativos no cenário mundial.

No Brasil, a situação não é diferente e os assuntos relativos a eles são diversos, complexos e, muitas vezes, ainda nebulosos e incertos.

Os criptoativos são ativos virtuais, protegidos por criptografia, presentes, exclusivamente, em registros digitais, cujas operações são realizadas e armazenadas em rede de computadores. Eles surgiram originalmente para permitir a realização de pagamentos ou transferências eletrônicas, sem a necessidade da intermediação de instituições financeiras, trazendo mais agilidade para o processo.

Dentre os diferentes assuntos relativos aos criptoativos, um dos que mais tem gerado repercussão se refere às consequências jurídico-tributárias que o crescimento significativo e acelerado desse mercado pode conferir.

Sobre esse aspecto, não há dúvidas quanto à necessidade de uma efetiva regulação do tema, para que seja garantida a segurança dos investidores, bem como para que exista clareza acerca das obrigações, das responsabilidades e dos procedimentos que devem ser adotados pelos investidores quando operam com a referida tecnologia.

Nesse sentido, observa-se que, no ordenamento jurídico pátrio, não há lei em sentido estrito que trate sobre o tema, apenas orientações infralegais.

Por ser uma tecnologia relativamente nova, essa situação de lacuna legislativa e insegurança jurídica também pode ser observada em diversos outros países do mundo.

Importante notar que, dentre os países que já estão regulando os criptoativos, existem muitos tratamentos e conceituações diferentes associadas à tecnologia, fato que é completamente contrário às recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), reforçando, ainda mais, a atual situação de incerteza em relação a ela.

Dando enfoque ao cenário brasileiro e ao tratamento das instituições nacionais sobre a matéria, é de se destacar a posição adotada nos pronunciamentos realizados pelo Banco Central (BACEN), o qual entende que os criptoativos não estão sob sua regulação, uma vez que não os reconhece como moedas fiduciárias e, portanto, não os considera inseridos no escopo da legislação relativa aos meios de pagamentos.

A Comissão de Valores Mobiliários, por sua vez, havia se manifestado apontando a impossibilidade da aquisição direta de criptoativos por fundos de investimento e, posteriormente, manifestou-se no sentido de que é possível o investimento indireto, por meio, por exemplo, da aquisição de cotas de fundos e derivativos, entre outros ativos negociados em terceiras jurisdições, desde que admitidos e regulamentados naqueles mercados.

Já a Receita Federal do Brasil (RFB), em linha com as autarquias supracitadas, mas ainda de maneira bem tímida, trata do assunto em sua Instrução Normativa IN RFB 1.888/19[1] e também nos seus manuais de “Perguntas e Respostas” sobre a Declaração de Imposto de Renda das Pessoas Físicas[2].

A Instrução Normativa (IN) RFB 1.888/19, que limita-se a orientar o contribuinte na prestação de informações das operações realizadas com criptoativos ao Fisco Federal, traz as seguintes definições de criptoativos e de exchange de criptoativos:

  • Criptoativos:

“A representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal”.

  • Exchange de criptoativos:

“A pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos”.

Com base nos conceitos adotados pela RFB, bem como nas orientações trazidas pela referida IN, é possível entender quais são, atualmente, os dois principais deveres previstos aos investidores em criptoativos:

  • Na realização de operações por meio de exchange nacional, a responsabilidade da transmissão e da declaração da operação realizada com criptoativos ao Fisco Federal, é da própria exchange, retirando tal responsabilidade do investidor.
  • Na realização de operações por meio de exchange estrangeira, ou sem intermediários (peer-to-peer), a necessidade de cumprir com os deveres instrumentais é do próprio investidor. Neste caso, as informações devem ser prestadas sempre que o valor mensal das operações, isoladas ou conjuntamente, ultrapassar R$ 30.000,00.

Quanto à tributação das referidas operações de criptoativos, os manuais “Perguntas e Respostas” sobre a Declaração de Imposto de Renda das Pessoas Físicas são as únicas orientações da RFB sobre o tema. Dos referidos manuais, que passaram a tratar dos criptoativos em 2021, se extrai, em linha com o BACEN e com a CVM, que os criptoativos não são considerados como ativos mobiliários, nem como moeda de curso legal. Entretanto, podem ser equiparados a ativos financeiros e, assim, sua alienação está sujeita à incidência de Imposto de Renda a título de ganho de capital.

Nos manuais, é esclarecido que são tributadas as alienações cujo total mensal seja superior a R$ 35.000,00, segundo alíquotas progressivas estabelecidas em função do lucro. Estão isentas, portanto, as alienações de até R$ 35.000,00 mensais, devendo ser observado o conjunto de criptoativos ou moedas virtuais alienados no Brasil ou no exterior.

Inovando na matéria, o manual de Declaração do Imposto de Renda das Pessoas Físicas de 2022 tornou obrigatória a declaração para cada um dos tipos de criptoativos em que o investidor tenha ao menos R$ 5.000,00 aplicados. Abaixo desse valor, a declaração do bem é opcional.

Como se vê, até o momento, as operações com criptoativos são reguladas de maneira rasa e desconexa da realidade, tanto em relação à própria tecnologia, quanto em relação ao uso que as pessoas vêm se fazendo dela.

Isso porque, sob a ótica da tecnologia, observamos que diferentes tipos de criptoativos estão sendo tratados dentro de rótulos estabelecidos superficialmente, não sendo realizada a devida qualificação e diferenciação das funcionalidades desempenhadas por cada um.

Será que faz sentido os criptoativos presentes em jogos virtuais recreativos terem o mesmo tratamento de moedas digitais, como a Bitcoin, para fins de tributação?

O ouro, por exemplo, é regulado e tributado pela sua função. Assim, as joias de ouro sofrem incidência de ICMS, enquanto o ouro utilizado como ativo financeiro sofre a incidência do IOF. 

Por outro lado, em relação à utilização dos criptoativos, a maior parte das operações são realizadas por pessoas jurídicas, sendo que, até o momento, só existe regulação e tributação para as operações realizadas por pessoas físicas.

Outro fato a se pontuar é o de que o cenário nacional atual conta com o dobro de pessoas investindo em criptoativos do que na bolsa de valores, sendo que os criptoativos não possuem quase nenhuma regulação, enquanto a bolsa de valores é extremamente regulada.

Tendo em vista todos os aspectos levantados, o universo dos criptoativos no Brasil, mesmo estando em plena ascensão, ainda conta com regulações extremamente rasas e imprecisas.

Embora existam alguns projetos de lei que versam sobre a matéria nas casas legislativas, para que eles possam suprir as necessidades que o tema demanda, espera-se que os legisladores compreendam plenamente a tecnologia, saibam a conceituar, entendam suas funcionalidades e elaborem regulações assertivas e equilibradas. 

Isso porque, caso a legislação não seja assertiva quanto ao entendimento e definição da tecnologia, as discussões judiciais sobre a matéria podem se tornar extremamente problemáticas, principalmente em relação à materialidade dos criptoativos, como foi possível observar nas discussões acerca dos softwares.

Por outro lado, a legislação precisa ser equilibrada, vez que é necessária a proteção e segurança do mercado em relação aos potenciais e já existentes crimes financeiros, mas sem se demonstrar excessivamente restritiva e proibitiva, pois dificultará o pleno desenvolvimento do mercado no Brasil, afastando o interesse de empresas, recursos e pessoas.

Raphael A. Golz de Moura


[1] Instrução Normativa IN RFB 1.888/19;

[2] Manuais de “Perguntas e Respostas” sobre a Declaração de Impostos de Renda das Pessoas Físicas

Reforma Tributária e Liberdade

Há meses que o Governo Federal tenta encampar reformas no sistema tributário brasileiro, apresentando propostas que têm sido mais objeto de críticas do que de elogios.

É fato que o sistema tributário brasileiro precisa mudar, e sou da opinião que a isenção do imposto de renda sobre os dividendos não se justifica, uma vez que os detentores de participações societárias têm a prerrogativa de acumular patrimônio ilimitadamente sem tributação, enquanto as rendas do trabalho se sujeitam a apuração do tributo já a partir de R$ 1.903,98/mês.

Instituída pela Lei 9.249/1995, a isenção dos dividendos viola explicitamente o Princípio da Isonomia sob a falsa premissa de que tal medida atrairia investimentos ao país, o que, passados 26 anos, não se convalidou. Pelo contrário: medidas que vieram na esteira desse pensamento, prejudicaram diversos outros fatores essenciais à melhoria no ambiente de negócios.

De cara, já em 1996, diante da falta de recursos para o SUS, criou-se a CPMF, tributo que por mais de 10 anos onerou o fluxo de caixa dos brasileiros e, ainda hoje, é um fantasma que nos assombra.

Já no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, o Governo Federal seguiu fazendo vista grossa à isenção dos dividendos e, para arrecadar mais, foi migrando a matriz tributária para uma fonte de arrecadação exclusiva – que não demandaria rateio com Estados e Municípios – como fez ao turbinar a arrecadação do PIS/COFINS (sob a escusa de torná-los “não-cumulativos”).

Como se sabe, além de onerar o consumo, a não-cumulatividade do PIS/COFINS trouxe novas obrigações fiscais e uma série de critérios para se permitir a tomada de créditos. Em outras palavras, tornou mais caro tanto o custo de vida para os cidadãos como o custo de apuração para as empresas.

Na esteira dessa política, em 2004 foi instituído o PIS/COFINS-importação, o que representou mais uma etapa burocrática em nossa já complexa gama de tributos sobre as mercadorias e serviços consumidos em solo nacional.

Em oposição a essa complexidade de débitos, créditos e incidências a todo momento, a tributação sobre o resultado é a forma mesmo invasiva do Estado se financiar. Em um ambiente de negócios perfeito, o contribuinte tem liberdade para praticar operações idôneas sem a intervenção estatal, ficando a seu cargo entregar aos cofres públicos uma parte de seus ganhos. Algo que ocorre após a formação dos preços, preservando toda a cadeia produtiva e comercial.

Em troca disso, o Brasil escolheu onerar as transações financeiras por meio da CPMF, tributar excessivamente o consumo e, de quebra, instituir diversas obrigações fiscais. Valeu a pena?

Aqueles que resolvem se instalar e produzir em território nacional se assustam com a quantidade de procedimentos no país, sendo boa parte deles relacionados ao PIS/COFINS.

Ao mesmo tempo, o brasileiro aplaude a qualidade de vida em países como os EUA, em que as pessoas trabalham e conseguem prosperar, uma vez que a tributação pesa muito mais sobre a renda do que sobre o consumo.

Nesse aspecto, destaco o que penso ser o maior erro em todas essas propostas de reforma: em troca da tributação dos dividendos, propõe-se a redução do IRPJ, enquanto o ideal seria começarmos a reduzir, gradativamente, o peso da tributação sobre o consumo.

Para as pessoas jurídicas, uma redução do PIS/COFINS deveria ser equacionada com um ganho no resultado, a fim de compensar o efeito do imposto sobre os dividendos.

De toda maneira, o que deve se buscar com a redução da tributação sobre o consumo é, além de interferir menos no mercado, reduzir os preços e possibilitar maior poder de compra ao cidadão, fazendo com que a economia se destrave e, com os meses, a sociedade tenha a percepção de que o consumo está fluindo.

Daí dizer que a redução da tributação sobre o consumo deve ser gradativa, pois uma redução drástica poderia estimular demais o consumo e gerar inflação, algo do que devemos nos distanciar.

Apesar disso, o que se vê é a intenção do Governo em, concomitantemente à tributação dos dividendos e redução do IRPJ (PL 2.337/2021), acentuar a tributação sobre o consumo, com a unificação do PIS e da COFINS a uma alíquota de 12% (PL 3.887/2020)!

É certo que a sociedade vem se arrastando de seguidas crises econômicas e muitas famílias precisam de um alento para se reestruturarem, razão pela qual o Governo não deve abrir mão de receitas.

Todavia, não seria mais libertador arrecadar menos sobre essa sociedade com baixa renda, do que onerá-la com mais tributos sobre o consumo para, depois, devolver-lhe migalhas do que lhe foi tomado, por meio dos programas de redistribuição de renda?

Sou favorável aos programas de redistribuição de renda, mas penso que eles devem ser bancados por aqueles que efetivamente possuem renda, e não sobre milhões de pessoas que vivem na miséria ou próximo a ela, que é o que ocorre quando se tributa o consumo em larga escala.

Por fim, quero destacar que esse modelo tributário é o culpado pelo alto custo dos serviços no país. Não tenha dúvidas de que, tal qual o ICMS, o PIS e a COFINS encarecem o custo de nossas escolas, de nossos hospitais, de nossa energia, de nosso frete, etc.

Assim, num tempo em que se fala tanto de “liberdade” e “livre mercado”, nada mais apropriado que toda a sociedade tenha interesse em retirar tantas intervenções na cadeia produtiva e buscar alterações para que o Brasil passe a se sustentar cada vez mais em cima de lucros efetivos, de forma que a tributação nos liberte, ao invés de nos aprisionar.

Da Possibilidade de Compensação antes do Trânsito em Julgado

(Relativização do Art. 170-A do CTN)

O art. 170-A do Código Tributário Nacional prescreve que “é vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial”

Referida disposição foi introduzida no ordenamento pela Lei Complementar nº 104/2001, com a finalidade de que “tal procedimento somente seja admitido quando o direito tornar-se líquido e certo[1].

O propósito da introdução legal é compreensível. De fato, em se tratando a compensação de forma de extinção do crédito tributário (art. 156, II, do CTN), é justo que se proteja a Administração (e o dinheiro público) de créditos sub judice baseados em decisões precárias e reversíveis.

Por outro lado, a regra acaba por criar um impeditivo injustificado quando se está diante de créditos líquidos e certos, obstados de aproveitamento por conta de inesgotáveis recursos do fisco, notadamente quando lastreados em decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral.

Da mesma forma, não se pode deixar de observar a incongruência da vedação em questão em relação aos princípios tão invocados nos últimos tempos pelo legislador processual civil, quais sejam, de observância às decisões tomadas em recursos representativos de controvérsia (arts. 1.036 a

1.041, CPC), e a tutela de evidência (art. 311, CPC).

Esses institutos, como se sabe, objetivam a celeridade processual, além da própria segurança jurídica, ao privilegiarem as decisões repetitivas das Cortes Superiores.

Tanto é assim que o Código de Processo Civil de 2015 previu em seu art. 1.036 que, em havendo multiplicidade de recursos fundados em idêntica controvérsia, o Tribunal de origem deve selecionar um ou mais recursos e encaminhá-los aos Tribunais Superiores, sobrestando os demais (art. 1.036), nos quais será aplicado o entendimento fixado no recurso alçado a leading case, conforme previsão do art. 1.040.

Além disso, o art. 927 do Código Processual determina a necessidade de os Juízes e Tribunais observarem a jurisprudência dos Tribunais Superiores[2].

Como se vê, a “nova” ordem processual prevê não apenas uma orientação, mas absoluta observância às decisões proferidas em sede de recursos representativos da controvérsia (repercussão geral e recursos repetitivos) pelas instâncias inferiores.

O art. 311 do CPC possibilita a concessão da tutela de evidência, prescindindo de demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando houver fundamento em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos.

Isso significa dizer que, mesmo as decisões passíveis de reversão, na atualidade, têm tido maior congruência com a jurisprudência pacificada pelas Cortes Superiores, o que é uma vitória para a segurança jurídica, há tempos perseguida, tanto pelos contribuintes, quanto pelos próprios entes públicos.

Sobre esse aspecto, vale notar que a própria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) está dispensada legalmente de apresentar recursos ou contestações em feitos que estejam em conformidade com matéria pacificada no âmbito dos Tribunais Superiores, nos termos do art. 19 da Lei Federal nº 10.522/2012.

Nesse contexto, verifica-se que existe todo um arcabouço legal que sustenta a relativização da vedação contida no art. 170-A do CTN para possibilitar ao contribuinte a habilitação de créditos incontroversos, isto é, lastreados em decisões que suprem essa eventual discussão sobre certeza e liquidez!

Traçando-se uma interpretação histórica, baseada na exposição de motivos do Projeto de Lei que inseriu a vedação contida no art. 170-A do CTN (quando não havia a previsão de vinculação das decisões dos Tribunais Superiores), e sistemática, isto é, aparelhada por toda a nova ordem processual prevista no ordenamento, se mostra totalmente plausível e justificável o afastamento da vedação nos casos em que o crédito é certo e líquido, decorrente da aplicação de julgamentos de recursos representativos de controvérsia.

Nesse sentido, ainda antes da vigência do CPC 2015, o Ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal, em caso que discutia a compensação de verbas indenizatórias (RE nº 895.351, DJE nº 157, divulgado em 10/08/2015), afastou a aplicação do art. 170-A, consignando pela inaplicabilidade da vedação nas ocasiões em que a matéria já tiver sido pacificada nos âmbitos dos Tribunais

Superiores, pautado no princípio da razoabilidade[3].

Também os Tribunais Regionais Federais da 1ª e da 3ª Região já afastaram a aplicabilidade da vedação generalista prevista no art. 170-A do CTN[4], e até mesmo o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), instância máxima do Administrativo Federal, já previu a possibilidade de excepcionalidade da aplicabilidade do artigo, como se pode conferir do julgado abaixo:

“(…) COMPENSAÇÃO. PEDIDO REALIZADO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO EM FAVOR DO CONTRIBUINTE. QUESTÃO DE CONTEÚDO QUE DEVE SE SOBREPOR À FORMA. PREVALÊNCIA DA RATIO DECIDENDI DE PRECEDENTE PRETORIANO DE CARÁTER VINCULANTE COM A ADEQUAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 170-A DO CTN.
Embora o pedido de compensação perpetrado pelo contribuinte tenha se contraposto à literalidade do art. 170-A do CTN, ao final do processamento judicial a lide por ele proposta foi julgada procedente, com base em precedente vinculante do STF. (RE n. 357.950) o que, por sua vez, faz convocar em seu favor o disposto nos artigos 489, § 1o, inciso VI, 926 e s.s., todos do CPC/2015, bem como o disposto no art. 62, § 1º, inciso II, alínea “b” do RICARF e, ainda, ao prescrito no art. 2o, inciso V da Portaria PGFN n. 502/2016.” (grifou-se) (Recurso Voluntário, Processo nº 10880.906342/2008-96, Acórdão nº 3402.005.025, 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária, Sessão de 22 de março de 2018)

Como bem pontuado pelo Conselho no precedente acima, em casos de jurisprudência baseada em repercussão geral, a forma não pode se sobrepor ao conteúdo, atraindo a aplicação dos arts. 489, §1º, inciso VI, 926 e subsequentes do CPC[5].

No ano de 2020, ganhou destaque decisão nesse sentido, proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal de Osasco/SP, para contribuinte que pretendia, em sede de liminar, autorização para utilizar – desde logo – parcela de crédito reconhecido em ação judicial referente a exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições ao PIS e à COFINS, pendente de julgamento por conta de Agravo Interno da União.

No caso (MS 5000570-18.2020.4.03.6130), o Juiz entendeu que a compensação do crédito nos termos da Solução de Consulta COSIT RFB 13/2018 (que prevê o creditamento sobre o ICMS pago e não o destacado para a habilitação de créditos decorrentes de ação judicial que discutia a tese) refere-se a parcela de crédito incontroverso, que não comporta mais discussão, independentemente do resultado dos embargos de declaração da União, pendentes de julgamento no leading case sobre a matéria (RE 574.706).

Segundo a decisão, “se por um lado a posição externada pela União Federal, através de sua administração tributária, foi no sentido de procurar restringir o cálculo do indébito a ser reconhecido a favor dos contribuintes, por outro representou o reconhecimento expresso e inconteste da própria União no sentido de que a parcela desse indébito calculada da forma defendida nos atos administrativos acima transcritos (com a exclusão do ICMS devido ao final do mês da base de cálculo do PIS e da COFINS) é certa”.

Como bem salientado, ainda que os embargos de declaração opostos pela Fazenda Nacional nos autos do RE nº 574.706 sejam providos – julgamento pautado para o próximo dia 29 de abril – a compensação, realizada nos termos da SC 13/18 e da Instrução Normativa 1.911/19, não será de forma alguma atingida.

Como se vê, a relativização do art. 170-A do CTN é uma possibilidade completamente razoável nos casos em que se discute créditos incontroversos. Por outro lado, a vedação à compensação antecipada nesses casos, sobretudo em meio à crise que o país atravessa, é uma forma de mitigar o direito do contribuinte, que, cansado de perder, já não consegue ganhar nem mesmo quando vence.

Por Claudia Frias


[1] Conforme exposição de motivos do Projeto de Lei Complementar 104/01.

[2] “Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

  1. – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; 
  2. – os enunciados de súmula vinculante;
  3. – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
  4. – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
  5. – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.”

[3] “(…) V – Tendo em vista que a matéria relativa à exigibilidade de contribuição previdenciária sobre a remuneração paga em virtude do afastamento do empregado no período de quinze dias que antecede a concessão de auxílio doença/acidente, bem assim sobre o abono constitucional de férias (1/3) encontra-se, atualmente, pacificada nos colendos STF e STJ, não se mostra razoável aguardar-se o trânsito em julgado de decisum para a efetivação da compensação do indébito tributário em referência, quando inexistente qualquer possibilidade de alteração da situação jurídica já reconhecida, nos autos. Ademais, segundo a inteligência do art. 557, caput e respectivo §1º, do CPC, o relator negará seguimento a recurso manifestamente em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, ou ainda, estando a decisão recorrida em manifesta contrariedade à súmula ou à jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento, de pronto, ao recurso, pelo que se verifica, assim, a inaplicabilidade do art. 170-A, do CTN, na espécie, diante da perfeita harmonia do acórdão desta 8ª Turma com o entendimento jurisprudencial consolidado nos colendos STF e STJ nesta matéria, a possibilitar a eficácia plena e imediata da garantia fundamental da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII e respectivo §1º) na materialização instrumental do processo justo.” (grifou-se)

[4] Vide processos 2007.35.00.026849-0/GO e 0000835-29.2006.4.03.6120

[5] “Art. 489. (…)

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

(…)

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.” “Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.  § 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. 

§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.”

A dedução do ágio interno e a posição atual do CARF

Com a alteração da regra do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), em caso de empate nas decisões colegiadas, o contribuinte sairá vitorioso. Em razão disso, algumas empresas têm conseguido reverter decisões que vinham lhes sendo desfavoráveis.

Foi o que ocorreu, recentemente, em julgamento de recurso no qual o contribuinte buscou a reforma de um acórdão que manteve uma autuação de CSLL, lavrada em razão da amortização de ágio decorrente de operação societária considerada artificial pelo Fisco.

Sobre esse aspecto, é de se ressaltar que a lei permite aos contribuintes o aproveitamento fiscal do ágio pago na aquisição de participação societária com fundamento na expectativa de rentabilidade futura, após a absorção do patrimônio da empresa investida, amortizando-o à razão de 1/60, no máximo, por mês, ainda que tenha sido por meio de operação com empresa interposta
(empresa veículo).

A discussão não é nova. A Receita Federal possui entendimento bastante restritivo quando se trata de planejamentos tributários que envolvam reorganizações societárias. Em razão disso, usualmente autua os contribuintes que obtém reduções tributárias decorrentes de tais operações.

No caso examinado, o contribuinte teve glosada pelo Fisco a amortização de ágio da base de cálculo da CSLL (por decorrência lógica das disposições legais aplicáveis ao IRPJ), ao entendimento de que o ágio apurado teria sido criado artificialmente, já que decorrente de operações societárias estruturadas em sequência, com a utilização de empresa veículo, assim entendida a pessoa jurídica criada dentro de um grupo econômico exclusivamente para realizar o investimento na sociedade adquirida.

A autuação foi mantida tanto em primeira instância quanto no acórdão do Recurso Voluntário do contribuinte, no qual restou assentado que “na operação de incorporação entre empresas do mesmo grupo econômico, o ágio interno é indedutível para fins fiscais porquanto constituído sem qualquer substância econômica, efetivo pagamento pela aquisição das participações societárias e indispensável independência entre as partes envolvidas”.

O fundamento para assim decidir foi, em linhas gerais, a ausência das condições previstas em lei (absorção de patrimônio de pessoa jurídica em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio), e a impossibilidade de dedução das despesas com ágio na determinação do Lucro Real, com fundamento no Decreto-Lei 1.598/77.

Ocorre que, conforme bem sustentado pelo contribuinte, a regra de indedutibilidade das despesas com a amortização do ágio de que trata referido decreto não são aplicáveis à CSLL, já que tratam especificamente da apuração do Lucro Real para fins de determinação da base tributável apenas do IRPJ, não podendo ser aplicada por analogia à CSLL, que possui regramento próprio.

Apesar de a legislação prever a aplicação das normas do IRPJ à CSLL, no que tange à apuração e ao recolhimento, não há autorização legal para aplicação indiscriminada das disposições quanto à definição da sua base de cálculo. E, não há, nas normas de regência da CSLL, qualquer previsão de adição dos valores dispendidos com ágio por rentabilidade futura em sua base de cálculo.

Esse foi o entendimento firmado pelo Conselheiro Relator do Recurso Especial na Câmara Superior do CARF, acatando a tese de defesa do contribuinte, tendo sido acompanhado pelos outros 3 conselheiros que, assim como o Relator, representam os contribuintes no colegiado. Por outro lado, os 4 julgadores representantes do Fisco manifestaram-se contrariamente, defendendo a manutenção da autuação.

Assim, em razão do empate de votos no julgamento do Recurso Especial, e considerando a nova sistemática do voto de desempate no CARF, foi dado provimento ao recurso do Contribuinte para reformar o acórdão recorrido e afastar a exigência de CSLL constituída em razão da amortização do ágio interno.

Levando-se em conta a paridade do CARF, cujos julgadores dividem-se entre representantes do Fisco e dos contribuintes – e forte a tendência de seus posicionamentos – é de se esperar que, com essa mudança, outras discussões relevantes resultem favoráveis as interesses dos particulares.

Por Bruna Lopes

Opinião: A Reforma Tributária e a Liberdade da Nação

Há meses que o Governo Federal tenta encampar reformas no sistema tributário brasileiro, apresentando propostas que têm sido objeto mais de críticas do que elogios. Não sem razão.

É fato que o sistema tributário brasileiro precisa de reformas, e também sou da opinião que a isenção do Imposto de Renda sobre os dividendos é uma benesse que não se justifica, uma vez que os detentores de participações societárias têm a prerrogativa de acumular patrimônio ilimitadamente sem tributação, enquanto aqueles que auferem renda em decorrência de um contrato de trabalho se sujeitam a apuração do tributo já a partir de uma renda de míseros R$ 1.903,98 mensais.

Há uma violação explícita à Isonomia, tal como houve quando os funcionários públicos não pagavam imposto sobre suas rendas, o que ocorreu entre a Constituição de 1891 (1º da República) e o Decreto-lei nº 1.564, de 5 de setembro de 1939. A despeito de o referido Decreto ter sido calcado na autoritária Constituição “polaca” de 1937 e ter silenciado decisões que haviam pacificado a questão da não-incidência no âmbito do Supremo Tribunal Federal (que conclui de tal maneira ao interpretar o texto constitucional republicano), é certo que tal imposição sanou um grande equívoco, tanto que isso não se alterou com a Constituição de 1946.

Pelo contrário: com o fim do Estado Novo, reforçou-se o conceito de igualdade de todos perante a lei, e a Constituição posterior não tornou a privilegiar a renda de alguns em detrimento da de outros!

Já a atual isenção do imposto de renda sobre os dividendos, instituída pelo artigo 10 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, viola a Isonomia sob a falsa premissa de que tal medida atrairia investimentos ao país, o que, passado algumas décadas, não se convalidou.

Isso porque, passados 26 anos da instituição da referida isenção, observamos que as medidas que vieram na esteira desse pensamento, a fim de bancar o investidor, prejudicaram sensivelmente outros fatores essenciais à melhoria no ambiente de negócios.

De cara, já em 1996, diante da falta de recursos para a saúde pública, criou-se a CPMF, tributo que por mais de 10 anos onerou o fluxo de caixa de todos os brasileiros e, ainda hoje, é um fantasma que, vira e mexe, volta a assombrar.

Já no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, o Governo Federal seguiu fazendo vista grossa à isenção do IR sobre dividendos e foi migrando a matriz tributária para uma fonte de arrecadação exclusiva – que não demandaria rateio com os Estados e Municípios (na forma do artigo 159 da Constituição de 1988), como fez ao turbinar a arrecadação do PIS e da COFINS, sob a escusa de torná-los “não-cumulativos”. As alíquotas ordinárias de tais tributos passaram de 3,65% para 9,25%.

Como se sabe, além de onerar de sobremaneira o consumo, com a não-cumulatividade do PIS e da COFINS, criaram-se novas obrigações fiscais relacionadas à apuração de tais tributos e, concomitantemente, uma série de critérios para permitir a tomada ou não de créditos. Em outras palavras: as contribuições ao PIS e à COFINS também passaram a demandar muitas horas de apuração.

Na esteira dessa política, em 2004 foram instituídos o PIS e a COFINS sobre a importação, os quais representam mais uma etapa burocrática em nossa já complexa gama de tributos sobre as mercadorias e serviços que são consumidos em solo nacional.

Em oposição a essa complexidade de débitos, créditos e incidências a todo momento, a tributação sobre o resultado é a forma mesmo invasiva de o Estado agir e se financiar. Em um ambiente de negócios perfeito, o contribuinte tem a liberdade de praticar suas operações idôneas sem a intervenção estatal, ficando a seu cargo entregar aos cofres públicos uma parte de seus ganhos. Algo que ocorre após a formação dos preços, preservando toda a cadeia produtiva e comercial.

Em troca disso, o Brasil escolheu onerar as transações financeiras por meio da CPMF, tributar excessivamente o consumo em território nacional por meio do PIS e da COFINS e, de quebra, instituir diversas obrigações que passaram a onerar severamente o custo de apuração fiscal no país, além de ter criado mais tributos sobre a importação de bens.

Será que essa política valeu a pena? Certamente não.

Aqueles que resolvem se instalar e produzir em território nacional se assustam com a quantidade de normas e procedimentos fiscais exigidos no país, e o PIS e a COFINS não cumulativos têm bastante culpa nesse aspecto.

Mas quem mais se assusta com esse emaranhado de tributos e incidências é o próprio povo brasileiro, que tira o chapéu para a qualidade de vida em países como os EUA, por exemplo, em que as pessoas trabalham tanto quanto aqui, mas efetivamente conseguem prosperar, uma vez que a tributação pesa muito mais sobre a renda do que sobre o consumo.

Nesse aspecto, destaco o que é maior erro de todas essas propostas de reforma tributária: em troca da tributação dos dividendos, propõe-se a redução do IRPJ, enquanto o ideal seria começarmos a reduzir, ainda que gradativamente, o peso do PIS e da COFINS (tributos sobre o consumo).

Para as pessoas jurídicas, a redução do PIS e da COFINS poderia ser equacionada, a fim de possibilitar um resultado maior nas operações, e compensar, com esse ganho no resultado, o efeito do imposto sobre os dividendos.

De toda maneira, o que se busca com a redução da tributação sobre o consumo é, além de interferir menos no mercado, reduzir os preços e possibilitar maior poder de compra do cidadão, fazendo com que a economia se destrave.

Mas esse é um efeito que se obtém com o tempo, com os meses, com a percepção da sociedade de que o consumo está fluindo. Assim, o ganho do capital virá em decorrência de um volume maior na operação e não necessariamente na sua margem de lucro.
Daí dizer que a redução da tributação sobre o consumo deve ser lenta e gradativa, pois uma redução drástica, embora possa parecer interessante, poderia estimular demasiadamente o consumo e gerar inflação, do que devemos nos distanciar.

Apesar disso, o que se vê é a intenção do Governo em, concomitantemente à tributação dos dividendos e redução do IR das pessoas jurídicas (PL 2.337/2021), acentuar a tributação sobre o consumo, com a unificação do PIS e da COFINS sob uma alíquota de 12% (PL 3.887/2020)!!!

É certo que a Lei de Responsabilidade Fiscal deve ser cumprida e receitas não podem ser negligenciadas, sobretudo nesse momento em que a sociedade vem se arrastando de seguidas crises econômicas e muitas famílias precisam de um alento financeiro para reestruturarem suas vidas.

E aqui peço vênia para mais uma chamada acerca da “liberdade”: não seria mais libertador deixar de arrecadar, ou arrecadar menos sobre essa sociedade com baixa renda, do que onerá-la com mais tributos sobre o consumo para, depois, devolver-lhe migalhas do que lhe foi tomado, por meio dos programas de redistribuição de renda?

Veja bem: sou totalmente favorável aos programas de redistribuição de renda, mas penso que eles devem ser bancados pela arrecadação angariada sobre aqueles que possuem, efetivamente, renda; e não sobre os milhões de pessoas que vivem na miséria ou próximo a ela, que é o que ocorre quando se tributa o consumo em larga escala.

Por fim, quero destacar que esse modelo tributário é o culpado pelo alto custo dos serviços no país. Não tenha dúvidas de que, tal qual o ICMS, o PIS e a COFINS encarecem, sem piedade, o custo das escolas de nossas crianças, de nossos hospitais, de nossa energia, de nossa telefonia, etc.

Isso porque, tais tributos, ao serem lançados sobre os insumos que esses prestadores de serviços consomem, na maioria das vezes são absorvidos como custos diretos, sendo repassados ao tomador final do serviço.

Assim, num tempo em que se fala tanto de “liberdade” e “livre mercado”, nada mais apropriado que empresários, políticos, classes alta, média, baixa, ou seja, toda a sociedade tenha o interesse conjunto de retirar tantas intervenções na cadeia produtiva e busque alterações na legislação tributária para que o Estado Brasileiro passe a se sustentar cada vez mais em cima de lucros efetivos, e não mais sobre aventuras, como a CPMF, ou sobre o consumo.

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