Há anos, atletas e treinadores enfrentam uma questão que vai muito além de seu desempenho dentro das quatro linhas: a possibilidade – ou não – de prestarem serviços personalíssimos por meio de pessoas jurídicas.

Só de 2013 para cá, mais de 300 esportistas brasileiros foram autuados pela Receita Federal, incluindo os jogadores de futebol Neymar Jr. e Alexandre Pato, os técnicos Felipão e Cuca, além do ex-tenista Guga.

Isso porque, a Lei Pelé (Lei 9.615/98) determina, em seu artigo 87-A, que “o direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo”.

E, respaldados na referida Lei , é muito comum que atletas e técnicos recebam os salários da seguinte forma: 60% do valor total do salário é pago à pessoa física, enquanto os outros 40% são caracterizados como direito de imagem, registrados em nome de uma empresa.

No entanto, de acordo com o Fisco, o direito de imagem dos atletas só poderia ser explorado pelo próprio indivíduo (pessoa física), jamais por intermédio de empresas (pessoas jurídicas), por ser deles indissociável.

A Receita sempre entendeu pela existência de vantagem econômica ilegal, uma vez que o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) permite deduções (lucro real) ou bases reduzidas para a incidência (lucro presumido), fazendo com que a alíquota efetiva do Imposto de Renda fique bem abaixo da alíquota de 27,5% do Imposto de Renda Pessoa Física, que seria facilmente alcançada nessas carreiras.

A discussão poderia ter se encerrado em 2005, quando a Lei 11.196, conhecida como “Lei do Bem”, entrou em vigor e dispôs, em seu artigo 129:

“Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.”

O dispositivo reconheceu, basicamente, que o direito de imagem, como outros bens personalíssimos, pode ser explorado por seus detentores por meio de empresas, sem que isso – apenas – caracterize qualquer ilegalidade ou vantagem indevida por parte dos atletas.

Ainda insatisfeita, a Receita Federal continuou autuando os atletas, sob o fundamento de que o recebimento de contrapartidas pelo uso da imagem diretamente na pessoa jurídica representaria uma operação sem substância ou propósito negocial, uma espécie de mecanismo artificial, utilizado como forma de reduzir a carga tributária.

Por essa razão, diante da postura do Fisco, a Confederação Nacional da Comunicação Social ajuizou a Ação Direta de Constitucionalidade nº 66, a fim de que o Supremo Tribunal Federal definisse se o artigo 129 da Lei do Bem é ou não constitucional.

E é. No final do ano passado, para alívio dos atletas e demais exploradores de direitos personalíssimos, com o placar de 8 votos a 2, a maioria dos ministros da Suprema Corte definiu por sua constitucionalidade, considerando que a opção pela contratação de pessoa jurídica para prestação de serviços intelectuais (como o direito de imagem de atletas) é legítima.

Assim, não apenas atletas e técnicos, mas também artistas, médicos, publicitários e outros profissionais liberais que abrem empresas para receber o pagamento pelos seus serviços de natureza intelectual ou personalíssima, tiveram uma ótima notícia – o que não quer dizer que todo aquele que fizer uso de empresa para explorar direito personalíssimo terá sua atividade automaticamente validada.

Isso porque, a Receita Federal deve avaliar a legalidade e a regularidade dos procedimentos adotados, em conformidade com a legislação , a fim de se evitar abuso de personalidade, constatado por meio do desvio de finalidade da atividade empresarial e/ou da confusão patrimonial entre os bens do profissional e da empresa, o que poderá ensejar a desconsideração da pessoa jurídica.

O que não cabe à Fiscalização, todavia, é a infundada presunção de que toda empresa de atleta que faz uso da sua imagem é uma estrutura irregular.

Até porque, a utilização de pessoas jurídicas por atletas com o fim de explorar direitos de imagem tem amparo, não somente na Lei Pelé e na Lei do Bem, mas também nos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, que asseguram aos agentes econômicos a liberdade de formular estratégias negociais indutoras de maior eficiência econômica e competitividade.

Resta evidente, dessa forma, que dispondo o ordenamento jurídico de caminhos diferentes para que uma atividade seja exercida, o contribuinte não está obrigado a seguir a via mais onerosa.

Por Nicolas R. Fokin