De acordo com o artigo 7º, III, da Lei nº 9.532/1997, a pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio, poderá amortizar tal dispêndio, excluindo os valores de seu lucro fiscal na proporção de 1/60, no máximo, por mês.

Em outras palavras, o contribuinte poderá deduzir tais investimentos de seu lucro fiscal, desde que isso se dilua em, no mínimo, cinco anos (sessenta meses), evidenciando a preocupação do legislador em estender o prazo para a exclusão dos dispêndios, a fim de não prejudicar a arrecadação federal.

Com o advento da Lei nº 12. 973/14, foram impostas restrições à amortização de tal ágio, merecendo destaque aquela que prevê expressamente como requisito que a aquisição de participação societária envolva partes independentes.

Muito se discute sobre a regularidade das operações envolvendo ágio e reiteradas são as autuações lavradas pela Receita Federal do Brasil para exigir valores a título de IRPJ e CSLL – tributos incidentes sobre o lucro fiscal – que deixaram de ser recolhidos em razão da amortização do ágio, com fundamento na suposta ocorrência de abuso de direito, fraude, dolo ou simulação em operações que, no entender do Fisco, teriam como objetivo exclusivo a economia tributária.

Uma das discussões que se tornaram notórias no âmbito do CARF foi o “caso GERDAU” (anterior à Lei nº 12. 973/14), que já chegou a ganhar contornos favoráveis ao contribuinte, como se observa dos seguintes trechos da decisão, posteriormente reformada, proferida pela 1ª Turma Ordinária da 1ª Câmara:

“(…) O ágio é a diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor patrimonial das ações adquiridas. Os requisitos são a aquisição de participação societária e o fundamento econômico do valor de aquisição. Fundamento econômico do ágio é a razão de ser da mais valia sobre o valor patrimonial. A legislação fiscal prevê as formas como este fundamento econômico pode ser expresso (valor de mercado, rentabilidade futura, e outras razões) e como deve ser determinado e documentado.
ÁGIO INTERNO.
A circunstância da operação ser praticada por empresas do mesmo grupo econômico não descaracteriza o ágio, cujos efeitos fiscais decorrem da legislação fiscal. A distinção entre ágio surgido em operação entre empresas do grupo (denominado de ágio interno) e aquele surgido em operações entre empresas sem vínculo, não é relevante para fins fiscais.
ÁGIO INTERNO. INCORPORAÇÃO REVERSA. AMORTIZAÇÃO.
Para fins fiscais, o ágio decorrente de operações com empresas do mesmo grupo (dito ágio interno), não difere em nada do ágio que surge em operações entre empresas sem vínculo. Ocorrendo a incorporação reversa, o ágio poderá ser amortizado nos termos previstos nos arts. 7° e 8° da Lei n° 9.532, de 1997.
ASSUNTO: NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO
Ano-calendário: 2005, 2006, 2007, 2008
ART. 109 CTN.ÁGIO. ÁGIO INTERNO.
É a legislação tributária que define os efeitos fiscais. As distinções de natureza contábil (feitas apenas para fins contábeis) não produzem efeitos fiscais. O fato de não ser considerado adequada a contabilização de ágio, surgido em operação com empresas do mesmo grupo, não afeta o registro do ágio para fins fiscais.
(…)
PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO. ELISÃO. EVASÃO.
Em direito tributário não existe o menor problema em a pessoa agir para reduzir sua carga tributária, desde que atue por meios lícitos (elisão). A grande infração em tributação é agir intencionalmente para esconder do credor os fatos tributáveis (sonegação).
ELISÃO.
Desde que o contribuinte atue conforme a lei, ele pode fazer seu planejamento tributário para reduzir sua carga tributária. O fato de sua conduta ser intencional (artificial), não traz qualquer vicio. Estranho seria supor que as pessoas só pudessem buscar economia tributária lícita se agissem de modo casual, ou que o efeito tributário fosse acidental. (…)”.
(Processo nº 10680.724392/2010-28. CARF. 1ª Câmara/1ª Turma Ordinária. Julgado em 11/04/2012 – grifou-se)

Não obstante, o posicionamento firmado acabou sendo reformado pela Câmara Superior do CARF, última instância administrativa, que entendeu pelo restabelecimento da glosa da despesa de amortização de ágio gerado internamente ao grupo econômico, sem qualquer dispêndio, e transferido à pessoa jurídica que foi incorporada (Câmara Superior de Recursos Fiscais, Sessão de 13 de julho de 2016).

De acordo com o voto da Conselheira Relatora, em linhas gerais, não haveria que se falar no surgimento de ágio interno em grupo societário, tendo em vista que, no seu entender:

“(…) o ágio surge na aquisição de investimento avaliado pelo método de equivalência patrimonial, quando o valor pago pelas cotas/ações é maior do que o valor patrimonial dessas ações. Pode ocorrer tanto na aquisição da participação societária junto a terceiros, como na subscrição/integralização de capital em sociedade já existente ou em fase de constituição.

Para a caracterização do ágio é necessário que haja dispêndio para obter algo de terceiros. A operação surge da vontade das partes independentes, que, no interesse comum, estabelecem um preço que reflita o valor real do investimento, baseando em fundamentos econômicos que demonstrem não estar plenamente representado na contabilidade da investida o seu valor justo.

(…) Em essência, o que não se pode aceitar e validar nos autos ora em análise é que um Grupo Econômico, por meio de um laudo de reavaliação de ativos com base em rentabilidade futura, aumente o valor de seus ativos, crie o ágio, transfira esse ágio, e depois deduza a amortização desse ágio do IRPJ e da CSLL sem ter, sequer, efetuado qualquer dispêndio sobre esse ágio. (…)”.

Esgotada a instância administrativa, o contribuinte se defendeu com a oposição de Embargos à Execução Fiscal, os quais foram julgados procedentes pelo Juízo de primeira instância, que entendeu que, como os movimentos societários que levaram ao surgimento do ágio glosado ocorreram entre 2004 e 2005, não é possível aplicar a restrição imposta pela Lei nº 12.973/2014, no sentido de que a amortização do ágio somente é viável em operações realizadas entre empresas não dependentes, sob pena de violação aos artigos 106 e 109 do Código Tributário Nacional, que tratam da interpretação e irretroatividade da lei fiscal.

Referida sentença foi, recentemente, confirmada, em decisão não unânime, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, consagrando o entendimento segundo o qual “a pessoa jurídica, antes da vigência da Lei n. 12.973/14, que absorver patrimônio de outra em virtude de incorporação ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio, baseado em rentabilidade futura, ainda que o aumento do capital social que deu origem ao ágio tenha sido integralizado com ações de sociedade integrante do mesmo grupo econômico, juntamente com capital de terceiros, poderá amortizá-lo na forma prevista no art. 7º, III, da Lei n. 9.532/97”.

Vale dizer, diante da ausência de quaisquer vedações impostas pela Lei 9.532/97, não é dado ao Fisco criá-las com base em critérios puramente contábeis, sobrepondo-os às normas jurídicas para privilegiar a arrecadação Fiscal, violando, assim, a autonomia da vontade, a liberdade econômica, a proteção da confiança, a segurança jurídica e o princípio da legalidade.

Esse posicionamento do Poder Judiciário, apesar de ainda ser passível de revisão pelas instâncias superiores, representa um importante precedente sobre o ágio, matéria ainda tão pouco discutida no âmbito judicial, e que acabou ganhando contornos desfavoráveis na esfera administrativa.

A despeito das especificidades do caso analisado, é certo que se essa postura se consolidar, as empresas terão maior segurança jurídica para realizar operações de reestruturação societária que resultem em economia fiscal, o que não é vedado pelo nosso ordenamento, mas não agrada a visão arrecadatória do Fisco.

Por Bruna de Oliveira Lopes